segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Empeiría*

Blogosfera segundo um gráfico de Alex Girard


*Experiência em grego.

Sobre ela já dizia o velho Aristóteles: “a ciência e a arte vêm aos homens por intermédio da experiência”[1]. A idéia é velha, muito velha, mas possui grande sentido até hoje. Foi sabendo disso que vestimos a camisa do ¡Sopão de Letras!, para começar a aprender (a locução indica modéstia) a fina arte de lidar com o meio digital.

Como disse a nossa colega Cibelli Fogliato, o objetivo do blog de forma alguma foi fazer jornalismo, apesar de sermos estudantes de jornalismo. A idéia foi a de se ambientar com o meio digital, para aprendermos a lidar com o emaranhado de possibilidades de comunicação que constitui a blogosfera
[2]. A princípio a postagem regular e a pesquisa constante foram obrigações outorgadas pela disciplina de Laboratório de Jornalismo Digital II; por fim, essas atividades tornaram-se um prazer, o que transformou com o tempo a “amarga tarefa” da disciplina em “aprazível diversão”.

Se considerarmos o contato com a blogosfera como o objetivo geral do trabalho, então parece que conseguimos atingi-lo, como ressaltaram os colegas Piero Pedrazza e Maurício Sena. Entretanto, não creio que nosso contato tenha sido profundo. Com certeza ainda temos que amadurecer muito. Prova disso é o fato de que até o momento a maioria dos nossos leitores adveio de sites de busca; poucos são os leitores que entram no blog diretamente pelo nosso endereço. A segunda maior fonte de acessos são os blogs dos nossos colegas, que nos linkaram e que são linkados por nós
[3].

Pretendo continuar a postar escritos no ¡Sopão de Letras!, pois além de ser um exercício de aprimoramento no meio digital, é também uma forma de melhorar a qualidade da minha modesta redação (criticada em
outro blog). Nosso objeto de discussão, a literatura latino-americana, é com certeza um prato deveras aprazível; por isso a partir de agora tentarei escrever de modo que o conteúdo da sopa não cause indigestão e nem esteja caliente o suficiente para queimar o esôfago de alguém.

Para finalizar, eu gostaria de dizer que este relato é o último obrigatório dentre os membros do grupo responsável pelo ¡Sopão de Letras!. A partir de agora, o blog passa a funcionar de maneira autônoma, já que sua obrigação para com a disciplina de Laboratório de Jornalismo Digital II está cumprida. Aos leitores, sejam bem-vindos para participar, tanto escrevendo quanto dando sugestões de leitura. Algumas modificações serão feitas no blog (algumas por vontade nossa, outras involuntárias) . A principal, e que posso adiantar agora, é o fato de que a estrutura de postagens diárias será impossível. Entretanto, o blog será atualizado na medida do possível. Nesse aspecto o assunto abordado pelo blog facilita nosso trabalho.


É a experiência que nos tornará virtuosos, já dizia o velho Aristóteles. Da memória à experiência, à arte e ao conhecimento. Sirvam-se, tem sopão para todos!


[1] Aristóteles, Metafísica, I, 1, 981a 3
[2] "Os blogs, de uma maneira geral, têm como um elemento constitutivo fundamental a criação de links com seus congêneres, num movimento de construção de comunidades de informação, que se retro-alimentam, checam e comparam dados e interpretações, produzindo a multivocalidade que caracteriza a Blogosfera" PALACIOS, Marcos. Blogosfera e jornalismo on-line no Brasil: Porque Noblat, Josias e cia. não fazem Blogs. In: http://docs.google.com/View?docid=adf4grpvfm38_28gc7rm9. Acesso em 17.12.2007.
[3] Essa análise é possível graças ao Sitemeter.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Isso não é adeus, é até logo...

Concordo plenamente com meus amigos e companheiros do blog: a experiência adquirida participando da blogosfera suplanta horas – e livros – de teoria. Para falar deste blog é imprescindível falar do semestre passado. Como esquecer todas as tardes que a turma passou discutindo sobre o ambiente digital? Não foram poucas as vezes que saímos do 74 de noite, um frio desgraçado, ainda discutindo os (muitos) textos que havíamos lido. Um dos temas que mais provocou estranhamento foi, justamente, a blogosfera. Como a maioria nunca tinha postado na vida, isso era algo realmente nebuloso, sem falar na grande questão: é possível fazer jornalismo em um blog? Isso, confesso, não sei responder: tem a teoria, o habitus, o nosso amado Bourdieu... De qualquer forma, a proposta não era fazer um blog de jornalismo, mas participar do ambiente digital.

Quando montamos o grupo para construção do blog, tivemos dificuldades para escolher um tema capaz de agradar os cinco integrantes. Apesar de todos sermos amigos, os gostos, muitas vezes, são díspares. Como alguns integrantes gostam de Animes, “inscrevemos” nosso blog com esse tema no semestre passado; paralelamente, porém, discutíamos uma forma de conciliar o interesse de todos. A resposta veio uma semana antes de iniciar o blog, por sugestão do nosso filósofo Jorge Robespierre: se todos gostavam de ler, por que não um blog sobre livros? A proposta foi aceita por todos e começamos a escrever.

Ler um livro por semana foi a melhor e a pior coisa na construção do blog. A necessidade de cumprir a tarefa me obrigou a ler muitos livros que eu “namorava” na biblioteca, mas não lia por falta de tempo - foi graças ao blog que eu descobri Álvaro Mutis, um autor colombiano desconhecido até por aqueles que gostam de literatura latino-americana. Porém, conforme os trabalhos da faculdade se acumulavam, ler um livro por semana mostrou-se uma tarefa árdua: muitas vezes não dormi para ler “o livro do blog”.

O objetivo inicial do trabalho – inserir-se na blogosfera e no ambiente digital –, creio, foi alcançado. Trabalhar com hipertexto, aliás, foi um aspecto bastante gratificante do trabalho, pois a necessidade de conseguir links interessantes para os nossos leitores nos obrigou a navegar muito na Internet. O blog continuará existindo, agora sem a pressão de valer nota para a cadeira de Digital II. Eu pretendo continuar como mestre-cuca com a companhia de meus valorosos amigos. Aos nossos leitores, até logo!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Experiência

"Experiência: ato ou efeito de experimentar; habilidade e perícia adquiridas com o exercício de uma arte ou ofício". Ratificando as palavras dos amigos Piero Pedrazza e Maurício Senna, experiência bastante válida e estimulante. Apesar de estar atrelada a uma disciplina do Curso de Jornalismo, a liberdade de escolha do tema e organização das postagens foi talvez um dos fatores que mais contribuíram para tornar a atividade tão gratificante.

No início, a idéia de participar pela primeira vez da construção de um blog, associando a literatura com esta ferramenta relativamente embrionária, pareceu-me um tanto incerta em relação a sua efetividade. Não são muitos os blogs construídos a partir de análises ou mesmo comentários de obras literárias. Além disso, por desconhecer a dinâmica de um blog, imaginei que dificilmente iríamos inserir nosso trabalho na blogosfera.


Passadas as primeiras postagens, os resultados começaram a aparecer. Amigos e conhecidos para os quais eu jamais falei sobre a participação no "Sopão de Letras" elogiaram o nosso trabalho. Através dos comentários, concluí que essas pessoas estavam realmente lendo os nossos posts, assim como o que você leitor está fazendo neste exato momento. Isso prova que eu estava significativamente equivocado com relação à suposição inicial. Ainda bem.


A disciplina de Laboratório de Jornalismo Digital será concluída, mas o "Sopão de Letras" vai continuar de forma independente e provavelmente com novos mestres-cucas. Independentemente das trocas de integrantes ou novas dificuldades relacionadas à conciliação da atividade com a graduação, pretendo continuar contribuindo com o blog. Então, para todos vocês leitores, até a próxima postagem.
Como já foi dito esse blog é uma proposta de trabalho da disciplina de Laboratório de Jornalismo Digital, uma experiência estimulante, que fez com que os mestres cucas, todos com a literatura latino americana em comum pudessem expor seus conhecimentos acadêmicos, e muitas vezes empírico. Como auto critica não posso deixar de falar no atraso de meus posts, como esse por exemplo.

A quarta-feira logo após o programa ao vivo que temos (já foi comentado pelo nosso querido amigo Piero Pedrazza), não é um dos dias mais livres para se postar. O esforço e perseverança do grupo para trazer o melhor conteúdo e fazer uma analise que realmente trouxesse “sustância” para as pessoas que acessam o blog não foi pouca.

O maior dos desafios que foi de estar inserido na blogosfera me parece que foi alcançado em parte, pois conseguimos até certo ponto um dialogo com interessados nessa área. As varias formas de ver determinada pelos integrantes desse grupo, sempre forma discutidas. Na verdade a escolha do tema nos favoreceu muito, em minha opinião, tem coisa melhor do que falar sobre livros?!

Agora passamos a uma nova fase, é claro se eu convencer alguns malucos a continuarem postando, essa nova fase não estará atrelada à avaliação de uma disciplina da faculdade, onde eu e alguns mestres cucas continuaremos a recomendar bons livros da literatura latino americana. Os links de temas relacionados ao livro comentado a foto serão utilizados com freqüência para contextualizar e melhor ilustrar nossa proposta.

A todos que acessaram muito obrigado

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Muito obrigado

Post a post acredito que o objetivo do blog sopão de letras foi alcançado. Após o desafio de ler um livro por semana foi possível apresentar um panorama da literatura latino americana. Apesar de todos os meus posts serem de autores brasileiros e a maioria deles gaúchos, o grupo conseguiu fazer um apanhado mais geral da literatura do nosso continente.

A criação dos posts exigiu muito dos mestres-cucas, pois entre outros trabalhos e provas nem sempre disponibilizávamos de tempo para ler nossos livros. Fato que às vezes me fez comentar livros lidos em outros anos ou quando se tratava do estudo de um conto ou poema ler somente o analisado e não a obra completa.

De quinze em quinze dias na cadeira de laboratório de rádiojornalismo II apresentamos um programa ao vivo e como sua produção se acumulava para a terça-feira isso dificultou ainda mais a postagem na data e hora previstas. Apesar de não possuirmos dados consistentes do nosso alcance na blogosfera, através do sitemeter sabemos que nosso blog foi acessado por pessoas de diversas cidades e estados do país e que algumas dessas pessoas eram nos visitavam regularmente. Contudo vale a ressalva que, possivelmente, um terço de nossos acessos sejam obra de minha querida mamãezinha.

A experiência prática foi válida conforme foi à dedicação empenhada aos posts do blog. A oportunidade de aprender escrevendo mesmo qual é a linguagem que deve ser utilizada na internet foi o principal benefício do exercício. Bom, agora então encerro minha participação no sopão de letras entregando meu chapéu de mestre-cuca e me despedindo de meus leitores. De novo muito obrigado.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A Arte de Flanar*












João do Rio
Charge: J. Carlos
Revista Careta: 1910



A rua continua, matando substantivos, transformando a
significação dos termos, impondo aos dicionários as palavras que
inventa, criando o calão que é o patrimônio clássico dos léxicons
futuros. (...) É preciso ter espírito vagabundo, cheio de
curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo
incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur
e praticar o mais interessante dos esportes - a arte de flanar. (...)
Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, (...) ter o
vírus da observação ligado ao da vadiagem. (...) É
vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com
inteligência. Nada como o inútil para ser artístico. Daí o
desocupado flâneur ter sempre na mente dez mil coisas
necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas.

Trecho de A Alma Encantadora das Ruas, de João do Rio.



Prezados leitores, convenhamos! Em geral estamos tão absortos em nossos deveres que nem percebemos o que ocorre por aí. Nossas excessivas preocupações dão sentido àquela estupidez de achar que o nosso umbigo é o centro do mundo. Em A alma encantadora das ruas (1910), Paulo Barreto (conhecido como João do Rio) faz a crônica boêmia da cidade do Rio de Janeiro e de seus tipos populares no final do século XIX. Trago essa obra para a contemporaneidade porque hoje em dia parecem faltar flâneurs, no nosso (aparente) pacato dia-a-dia.

Quando caminho pelas ruas de Santa Maria, o que vejo no semblante da maioria das pessoas é um olhar taciturno com a cabeça baixa, ou ainda com o olhar fixo em alguma coisa para além de onde a pessoa está, provavelmente devido a muitas preocupações e obrigações. Foi por causa disso que perdi meu velho costume interiorano de dar "bom dia" às pessoas. Cadê o nosso "espírito vagabundo"?


Minha geração (tenho 22 anos) foi criada sob ditos do tipo “come o fígado do teu próximo senão ele comerá o teu. Seja o primeiro! Porque, se você não for, não passarás de uma doméstica ou de um gari”. O engraçado é que nos pedem para sermos caridosos e solidários com o próximo, mas nos criaram individualista e materialistamente. É óbvio que esses valores não são equivocados, claro que não. A auto-suficiência não será completa se não houver independência econômica. Essa é a base para se viver nos moldes atuais. Como dizia um conhecido, "até o mais vermelho dos marxistas quer, no fundo, virar burguês". Mas isso não é a garantia para se viver bem. Acredito que o mal-entendido esteja no “viver bem”.


Entretanto, ainda há flâneurs em Santa Maria, tenho certeza. Todos aqueles senhores que têm o cabelo esbranquiçado pela geada dos anos, sempre presentes no Calçadão pelas manhãs, são um bom exemplo. Onde mais podemos encontrá-los? Suspeito que em qualquer boteco barato da cidade. Deve ser por isso que me sinto tão faceiro ao ir com meus excelentíssimos colegas de faculdade a esses recintos.


Aluno universitário, eis outra estirpe muito adepta à arte de flanar. Analisar o modo dos outros, os próprios, os acontecimentos da política nacional e internacional, os esportes, os eventos da cidade, alguns conceitos filosóficos, sociológicos e antropológicos, gibis, filmes, músicas, personalidades, explanar algo sobre as mulheres (elas são sempre uma fonte muito rica de comentários). Sobre as mulheres já dizia o glorioso Erasmo de Roterdã (1466-1536) no seu Elogio da Loucura: "Antes de tudo, têm elas o atrativo da beleza, que com razão preferem a todas as outras coisas, pois é graças a esta que exercem uma absoluta tirania mesmo sobre o mais bárbaro dos tiranos".
Enfim, com uma(s) garrafinha de cerveja um universitário torna-se um exímio representante da classe dos flâneur.


João do Rio era jornalista, e já no início do século XX percebia que essa prática de se "admirar e reparar as coisas" era fundamental para a atividade jornalística. Uma das características do jornalismo atual é a pouca disponibilidade de tempo. Como dizem por aí, a famosa deadline não perdoa! Se o tempo é tão escasso, como observar de maneira eficaz o que acontece na nossa volta?


Para finalizar, eu gostaria de dizer que doces são as tardes de um flâneur. Alguns chamam estes intrépidos varões de vagabundos, mas na verdade são esses passeios ociosos e discussões despreocupadas que permitem aos indivíduos assimilar conceitos adquiridos nos mais variados ambientes. Até os gregos sabiam que para o exercício intelectual é necessário tempo, isso há mais de dois mil anos.


E então, acompanham-me a um bar para jogar conversa fora?




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*Passear ociosamente; vadiar.

Sobre João do Rio: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_do_Rio

domingo, 9 de dezembro de 2007

30 Anos sem Clarice

Nesta semana a grande escritora Clarice Lispector nascida na Tchecoslováquia e naturalizada brasileira comemoraria 87 anos. Clarice chega ao Brasil com apenas 2 anos, aos 5 sua mãe ficou paralítica devido a uma doença e então passou a ser cuidada pela irmã mais velha Elisa e aos oito anos aprendeu a ler.

Um ano depois sua mãe morre, Clarice começa a estudar piano e hebraico e já escreve uma peça de teatro. A autora manda seus textos para o Diário de Pernambuco que os recusa. Em 1932 ingressa no Ginásio Pernambucano e em 1935 muda-se para o Rio de Janeiro. Aos 17 anos faz o curso complementar com o objetivo de mais tarde cursar direito na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.

Passando por mais uma crise financeira Clarice leciona português e matemática alem de aprender datilografia e inglês. Começa a cursar direito e a trabalhar secretaria de um escritório de Advocacia em 1939. No ano seguinte tem alguns de seus contos publicados e inicia sua carreira de jornalista na Agencia Nacional.

Escreve seu primeiro romance “Perto do Coração Selvagem” que é bem recebido pela critica, casa-se com Maury Gurgel Valente, seu colega de faculdade, e muda-se para Nápoles com ele. Na Itália lança seu segundo romance “O Lustre” em 1944 e ganha o premio Graça Aranha.

Em 1948 Clarice tem seu primeiro filho Pedro, publica seu terceiro romance “A Cidade Sitiada” e então volta ao Brasil. Dois anos depois sofre um aborto espontâneo e após mais dois anos se forma em direito e vai morar nos EUA onde tem seu segundo filho Paulo.
Aos 39 anos se divorcia e volta para o Brasil com os filhos, aos 40 publica o livro de contos “Laços de Família”, que recebe o Prêmio Jabuti, aos 41 finalmente consegue publicar seu quarto romance “A Maçã no Escuro”, que começara a escrever 9 ano antes, e aos 44 publica outro livro de contos “A Legião”.

Em 1966, enfrentado mais uma crise financeira, tendo de cuidar da saúde e educação de seus filhos Clarice adormece com um cigarro aceso que acaba por incendiar seu quarto e a deixando por dois meses internada num hospital com queimaduras por todo o corpo.

Publica então dois livros infantis “O Mistério do Coelho Pensante” em 1967 e “A Mulher que Matou os Peixes” em 1968 e então os romances “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres” em 1969 e “Objeto Gritante” em 1970.

Clarice não para de publicar livros até sua morte em 1977, sua obra é reconhecida principalmente depois de seu falecimento. Analisemos então o conto Laços de Família do livro de mesmo nome.

Laços de Família trata dos sentimentos que existem dentro da família mesmo sem que esses sejam expressos. Do amor que existe independentemente de declarações, do ciúme que esse pode causar e também fala do peso do silêncio na relação da personagem Severina e seu genro que apesar de não se gostarem muito manterem uma relação perfeitamente cordial.

Confira uma entrevista com a autora no link: http://www.youtube.com/watch?v=1aF7QwPGS1Y .

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

A Descoberta da Identidade

Hoje meu post é sobre o livro “A Descoberta da América (que ainda não houve)” do escritor Eduardo Galeano. Eu já comentei sobre o autor uruguaio em um post anterior (23 de Novembro), mas, como é o fim de um ciclo, resolvi escrever sobre um livro que trata desta parte do continente que foi o tema de nossas postagens: a América Latina. O continente latino-americano é tema recorrente deste autor e este livro discute, entre outras coisas, sobre o que representa o ofício de escritor no continente – seria este trabalho capaz de provocar verdadeiras mudanças?

Galeano discorre sobre dez erros ou mentiras sobre a cultura e a literatura latino-americana. Entre os exemplos de idéias criticadas está aquela que diz que a nossa literatura é barroca porque a nossa natureza é exuberante. O autor pensa, também, no problema do acesso aos livros – num continente onde nem todos têm o que comer, quantos têm acesso à literatura?

O escritor oriental mostra nosso continente de uma forma nua e crua e lembra o quanto dos problemas de hoje são herança do período de colonização européia. O modo de vida livre e sem propriedade dos habitantes pré-colombianos são reiteradamente citados pelo autor. Ele lembra, por exemplo, que a homossexualidade era uma prática aceita em boa parte do continente e que foi duramente reprimida pelos colonizadores. Hoje, a América Latina é um continente extremamente conservador e machista.

Não conhecemos nosso continente. Lemos autores de várias partes do mundo, mas torcemos o nariz para quem escreve aqui. Imitamos modos culturais europeus e norte-americanos (estadunidenses?) e massacramos a nossa cultura, identificando-a como bárbara e atrasada. Nossa terra tem grandes problemas, e Galeano não se furta de mencioná-los nesse e em seus outros livros. Ele, porém, mostra a beleza de ser que nós temos, e é isso que me agrada tanto nele. Não consigo imaginar outro autor para comentar neste post. A América Latina é um continente que precisa ser descoberto, principalmente pelos seus. Precisamos nos olhar sem procurar enxergar a imagem do colonizador, seja o europeu de antes ou o norte-americano de hoje. Ser um latino-americano não é ser um índio, um europeu ou um africano, mas não sabemos exatamente o que é. A América continua sendo o Novo Mundo, aquele que espera para ser grande; quando, ninguém sabe. Deixar de ser a eterna promessa de bem-aventurança e ser o futuro agora depende de nós, de gostarmos e lutarmos pelo que somos. Não sei se os textos desse blog ajudam de alguma forma nessa tarefa, mas espero, sinceramente, que sim.

Para ler alguns textos sobre a América Latina, clique em http://antonioluizcosta.sites.uol.com.br/Alatina.htm
Sobre a forma com o continente é representado no jornalismo brasileiro, veja o texto http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=557
E no link http://www.latinoamericano.jor.br/ é possível ver algumas reportagens sobre a América Latina.
"Somos o que fazemos, e sobretudo o que fazemos para mudar o que somos: nossa identidade reside na ação e na luta".
Eduardo Galeano

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

LATINA, América.

Atillo, Equador, 1982. Foto de Sebastião Salgado.


Durante minha última aula de Fotojornalismo, estava folheando as páginas do livro Outras Américas, do renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. Esse livro contém fotos que expressam a extrema pobreza de algumas regiões da América Latina. São fotos marcantes, que nos fazem repensar se de fato vivemos em um mundo de tantas oportunidades, como dizem por aí. Essas fotografias são, de certa forma, uma representação visual daquilo já sustentado por autores como, por exemplo, Eduardo Galeano, no seu As Veias Abertas da América Latina. Ao ler o texto de Eduardo Galeano, nos perguntamos: "mas será que não há exagero nisto?"; as fotos de Sebastião Salgado nos permitem negar essa hipótese.


Uma inquietação surgiu nesse momento: quantos outros escritores e intelectuais já refletiram sobre a América e suas mazelas? Quantos pseudo-intelectuais e demagogos se utilizam disso esporadicamente com fins fajutos? Quantos humildes agonizam diariamente por causa disso? Obviamente seria ingenuidade tentar delimitar um número, mas uma coisa é certa, há muitos personagens - independente da época - que se enquadram nessas três categorias, provavelmente ainda mais na terceira.
.
Na Blogosfera encontrei os nostálgicos versos de Notas del Alma Indígena, do escritor peruano José Santos Chocano.

Notas del Alma Indígena**
¡Quién sabe!
Indio que asomas a la puerta
de esta tu rústica mansión: .
para mi sed no tienes agua?
para mi frío, cobertor?
¿parco maíz para mi hambre?
¿para mi sueño, mal rincón?
¿breve quietud para mi andanza?...
-¡Quién sabe, señor!
.
Indio que labras con fatiga
Tierras que de otros dueños son:
¿ignoras tú que deben tuyas
ser, por tu sangre y tu sudor?
¿ignoras tú que audaz codicia,
siglos atrás, te las quitó?
¿ignoras tú que eres el Amo?...
-¡Quién sabe, señor!
.
Indio de frente taciturna
y de pupilas sin fulgor:
¿qué pensamiento es el que escondes
en tu enigmática expresión?
¿qué es lo que buscas en tu vida?
¿qué es lo que imploras a tu Dios?
¿qué es lo que sueña tu silencio?
-¡Quién sabe, señor!
.
¡Oh raza antigua y misteriosa
de impenetrable corazón,
que sin gozar ves la alegría
y sin sufrir ves el dolor:
eres augusta como el Ande,
el grande Océano y el Sol.

Ese tu gesto que parece
como de vil resignación,
es de una sabia indiferencia
y de un orgullo sin rencor..
Corre en mis venas sangre tuya,
y, por tal sangre, si mi Dios
me interrogase qué prefiero
- cruz o laurel, espina o flor,
beso que apague mis suspiros
o hiel que colme mi canción
responderíale dudando:
-¡Quién sabe, señor!


O autor peruano nasceu em Lima, Peru. Foi grande defensor do americanismo, revolucionário ferrenho, protetor dos índios e opositor do imperialismo norte-americano. Foi preso várias vezes. Foi assassinado no Chile.
"fue un poeta peruano, conocido también con el seudónimo de El Cantor de América. En su poesía describe y representa a su país, el Perú. Es comúnmente conocido por la mayoría de peruanos y muchos escritores se refieren a él, abreviada y simplemente, como Chocano". (Extraído de José Santos Chocano)
José Santos Chocano
(1867-1935)


O autor do poema pertence a primeira classe, a dos intelectuais que refletem sobre as agonias da América; os personagens deste seu poema - os índios - à terceira. Os índios foram aqueles que, durante o processo de exploração das Américas, padeceram por causa da ganância dos portugueses e espanhóis (isso sem citar os colonizadores ingleses da América do Norte, que simplesmente dizimaram os nativos do continente*). O poema retrata o índio após o processo exploratório, fazendo referência ao semblante triste que compõe a feição do indígena latino-americano, e também às incertezas quanto ao seu futuro, da mesma forma que as fotos de Sebastião Salgado. Indio de frente taciturna /y de pupilas sin fulgor: / ¿qué pensamiento es el que escondes / en tu enigmática expresión? / ¿qué es lo que buscas en tu vida? / ¿qué es lo que imploras a tu Dios? / ¿qué es lo que sueña tu silencio? / -¡Quién sabe, señor!

Para comprovar as condições das pessoas que o poema de José Santos Chocano defende, não é necessário irmos muito longe, nem lermos autores com citações ameaçadoras como Eduardo Galeano ou ver fotos consagradas como as de Sebastião Salgado. Até aqui no calçadão de Santa Maria é fácil observarmos pessoas desgarradas com modos taciturnos, sem muitas expectativas em relação ao porvir.
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Para finalizar, eu gostaria de citar um dos elementos mais interessantes de se consumir literatura latino-americana: é uma forma de conhecermos a nossa gente, as nossas origens. Graças às misturas do nosso sopão, tem sido possível conhecer realidades aparentemente novas. "Aparentemente" porque percebemos que, no fundo, essas realidades "estranhas" são tão similares a nossa a ponto de afirmarmos que brasileiros, peruanos, argentinos, paraguaios, uruguaios, dominicanos, mexicanos e outros, compõem todos um só corpo e uma só alma.
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Observações: a foto de Sebastião Salgado foi retirada de seu site oficial.
*Para saber um pouco mais sobre a colonização norte-americana, e o massacre dos índios de lá, leiam Enterrem Meu Coração na Curva do Rio, de Dee Brown.
**O poema foi retirado do site PoesiaLatinoamericana, que consta na lista de sites sugeridos por este blog.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Viagem às selvas tropicais

O escritor e poeta colombiano Alvaro Mutis é muito prestigiado na literatura de língua espanhola, apesar de não ser muito conhecido no Brasil – para variar, eu não sei quando os brasileiros perderão essa resistência à belíssima literatura latino-americana e conhecerão as maravilhas que foram escritas na língua de Cervantes. Enfim, Mutis já recebeu vários prêmios e sua personagem mais conhecida é Maqroll o gaveiro, um marinheiro que se envolve em muitas aventuras. Na década de 90, foram publicadas as sete novelas que compõem a narrativa do aventureiro misterioso, algumas delas já editadas em português.

O livro comentado neste post é “A neve do Almirante”, que narra a aventura de Maqroll subindo o rio Xurandó para negociar madeira. Mais importante do que o resultado final é a viagem em si, narrada em diário pelo marinheiro. As personagens encontradas no caminho beiram muitas vezes o grotesco e mostram a vida que passa mansa e sem esperança nas selvas tropicais. A floresta, aliás, é muito importante na narrativa. Assustadora, grandiosa e sufocante, a mata age diretamente nas personagens. O livro mostra a realidade de abandono e a forma como os interesses de poderosos – os mais espertos - interferem na vida da região. O livro, porém, está longe de ser um manifesto sobre os problemas desta parte do mundo. É, antes de tudo, uma viagem filosófica onde o protagonista reflete sobre a vida e a morte.

No final do livro, há outros textos sobre a mesma personagem, vivendo outras histórias. Isso dá vontade de conhecer mais sobre a vida de Maqroll, ler as outras novelas sobre ele. Não sei se todas estão disponíveis em português, provavelmente não (não achei referências à coletânea em português na Internet). Para quem lê em espanhol ou em inglês, fica a dica das sete novelas. Para quem só lê em português, o jeito é conhecer o que já foi publicado por aqui e rezar para que os outros livros sejam traduzidos.

Para ler uma entrevista que Mutis concedeu ao jornal Estado de São Paulo, clique em http://www.estado.com.br/editorias/2006/01/29/cad28218.xml

No blog de Adelto Gonçalves – especialista em Literatura Espanhola, Literatura Hispano-Americana e Literatura Portuguesa – é possível saber um pouco mais sobre outro livro que narra as aventuras de Maqroll, “A última escala do velho cargueiro”.É só clicar em
http://blog.comunidades.net/adelto/index.php?op=arquivo&pagina=34&mmes=07&anon=2005

É possível saber um pouco mais sobre Mutis e sua poesia em
http://www.revista.agulha.nom.br/bh5mutis2.htm

E para ler um trecho do livro "A neve do Almirante ", vá até
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u58176.shtml

A Última Crônica

Fernando Tavares Sabino, mineiro de Belo Horizonte nasceu em 12 de outubro de 1923. Desde criança gosta de música e de ler, teve sua primeira obra publicada “Agus”, um romance policial, pela iniciativa de seu irmão Gerson pouco tempo depois contribui para a formação do jornal “A Inúbia”.


Ao final do curso no Ginásio Mineiro Fernando ganha a medalha de ouro de melhor aluno da classe, e a partir daí tem seus textos publicados regularmente pelas revistas: “Belo Horizonte” e “Alterosas”, e vence também vario concursos de crônicas e contos sobre rádio.


Disputou também vários campeonatos de natação e em muitos deles foi o vencedor. Ficou em segundo lugar na Maratona Nacional de Português e Gramática Histórica, perdendo apenas para Hélio Pellegrino, seu ex-colega de ginásio. Em resumo, sempre foi um aluno Brilhante.


Dos 18 aos 21 anos presta serviço militar a Arma de Cavalaria do CPOR. Então inicia o a faculdade de direito e ingressa no jornalismo como editor da “Folha de Minas” e tem seu primeiro livro lançado “Os Grilos não Cantam Mais”, que é muito bem recebido pela crítica.


Em 1942 foi funcionário da secretaria de finanças de Minas Gerais e leciona Português no Instituto Padre Machado. Em 1943 é nomeado oficial do gabinete do secretário da agricultura e faz um estágio no Quartel de Cavalaria de Juiz de fora.


Quatro anos depois se forma em Direito e se muda para o Estados Unidos onde trabalha no Escritório Comercial do Brasil e depois no Consulado Brasileiro e mais quatro anos depois, já de volta ao Brasil, reúne vários de seus textos escritos nos Estados Unidos e publica no livro “A Cidade Vazia”


Em 1956 publica o romance “O encontro Marcado”, que foi um grande sucesso e parte a viver apenas de suas criações literárias. Também cria roteiros e textos documentários para varias empresas brasileiras.


Ganha o prêmio Cinaglia do Pen Club pelo livro “A Mulher do Vizinho” Em 1966 cobre a Copa do Mundo de futebol para o “Jornal do Brasil” e daí em diante não para mais de viajar e publicar contos, crônicas e livros pelo mundo inteiro.


Bom, vamos então ao que mais nos interessa “A Última crônica”. Basicamente esta crônica nos mostra que para sermos felizes devemos perceber cada pequeno detalhe do que acontece ao nosso redor e valorizar cada momento de alegria que temos. Para vivenciar mais um desses momentos acesse http://www.releituras.com/i_samuel_fsabino.asp .

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Cabeça de Bagre Histórias do futebol

Ciro Knackfuss, nascido em Santa Maria da Boca do Monte em 15 de Abril de 1952, é doutor em Educação Física e professor titular do Centro de Educação Física e Desportos da UFSM. Segundo ele mesmo, um "Cabeça-de-Bagre" (jogador de futebol com habilidades não acima da média) apaixonado por futebol que "até hoje, faça chuva ou faça sol, corre atrás da bola nos campeonatos de veteranos da cidade universitária".
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Na noite de ontem, quarta-feira, lançou o livro "Cabeça-de-Bagre histórias do futebol". As 23 crônicas da obra, com um toque de humor-pitoresco, trazem um pouco da história do futebol de Santa Maria. Algumas delas foram inclusive publicadas na revista "Garganta do Diabo", da década de 90.
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O livro apresenta histórias presenciadas pelo próprio autor, assim como narrativas curiosas sobre futebol que Ciro ouviu dos amigos. Algumas das suas experiências inusitadas no futebol amador e profissional estão presentes na obra.
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Quando jogava no poderoso "Mustangue do Marqueto", "campeoníssima agremiação de veteranos fundada em 1986", Ciro foi o protagonista de uma das mais divertidas crônicas do "Cabeça-de-Bagre". O time chegara a mais uma decisão, dessa vez contra o "Grêmio Atlético Imembuí".
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Antes de a bola rolar, Ciro aproximou-se do árbitro Carlos Gilberto Bertagnolli, o "Polenta", e sussurrou-lhe a seguinte frase: "Polenta, vou cair na área." O árbitro, então, olhou imediatamente para ele e disparou: "Azar é teu, vai te sujar todo."
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"Polenta" e as demais crônicas formam um conjunto de histórias divertidas, críticas e irresistíveis; mesmo para aqueles que não viveram aquele que é tido como o mais belo período do futebol brasileiro. Entre a primeira e a última crônica são muitas risadas e um único espaço de tempo.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Sargento Garcia




O conto “Sargento Garcia”, entra como ingrediente de hoje, escrito por Caio Fernando Abreu, faz parte do livro “Morangos Mofados”. Caio é um escritor gaúcho natural da cidade de Santiago na fronteira oeste (meu conterrâneo). O escritor falecido em 25 de fevereiro de 1996, nos deixou uma ampla bibliografia com historias que contam exploram diversos conflitos, sociais e pessoais da classe media, nesse conto temos uma boa noção do estilo de como Caio trabalha os temas de sua obra.

A história é a seguinte, na década de 70 durante a ditadura militar, o jovem Hermes está na sala de recrutamento, quando o sargento chama seu nome caminha até o meio da sala para ser inspecionado, garoto tímido, com os pés chatos, taquicardia e pressão baixa, é entrevistado pelo recrutador Sargento Garcia.

Diante dos insultos do sargento e das risadinhas dos soldados, se sente mais nu do que todos naquela sala, “nenhum amigo, só esta tontura seca de estar começando a viver, um monte de coisas que eu não entendo, todas as manhãs, meu sargento, para todo o sempre, amém.”, nesse trecho temos uma idéia do rapaz que não queria servir a pátria, trabalhava em um escritório e fazia pré-vestibular para filosofia.

Ao saber disso o “inquisidor” alivia o rapaz com a noticia de que ele estava dispensado do serviço, depois de ter posto a roupa desce em direção a Azenha, para pegar o bonde, no caminho é interceptado pelo sargento Garcia, que lhe oferece carona, no começo do percurso Hermes reflete e se espanta, o homem não parecia mais um leão ou um general e sim alguém normal dirigindo o carro, a atitude do sargento muda, apesar de continuar com alguns comentários truculentos, a conversa permanecia amena.

Quando param no ponto do bonde, Garcia faz um convite, já com a mão em cima do garoto, para irem a um lugar, nessa virada, temos um estranhamento quando um sargento das forças armadas que convivia com “aquela bagualada mais grossa do que dedo destroncado”, e tinha como filosofia de vida, pisar nos outros antes que os outros te pisem.

Desse momento em diante, é praticamente obvio o desfecho da historia, a chegada até a casa de Isadora, Valdemir na verdade, a entrada no quarto 7. A historia não se restringe a relação homossexual entre um jovem de 17 anos e um sargento de 33, mostra também a enorme dificuldade que nossa sociedade tem de tratar pessoas que “optam por viver de uma forma não ortodoxa”, os conflitos pessoais, a busca por identidade, o medo do preconceito, e a hipocrisia dos donos da verdade.
blog com varias obras de Caio F abreu
Curta Metragem "Sargento Garcia" na integra...

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

A Los Héroes Sin Nombre

Llanto por los muertos - Aguillera


O título é daqueles que causam calafrios só de ler. Aos Heróis sem Nome (tradução livre) fala das pessoas que nascem sem muitas glórias, que dão seu sangue no dia-a-dia e às vezes morrem no esquecimento. Trata daqueles que durante suas vidas batalham ferozmente por um futuro melhor - tanto individualmente quanto coletivamente - e não têm seus nomes estampados em livros de história, apesar de contribuírem para tantos feitos... Pois bem, caro leitor, é sobre os humildes que trata este poema do dominicano Frederico Bermúdez y Ortega.

O poeta dominicano não parece ser muito conhecido, tanto que nem no Wikipédia encontrei dados a seu respeito. De acordo com o site PoesiaLatinoamericana
[1], Frederico Bermúdez y Ortega nasceu no ano de 1884 em San Pedro de Macorís, República Dominicana, e faleceu em 1921 na mesma cidade. O escritor colaborou com as revistas mais importantes do seu tempo, como “La Cuna de América”, “Renacimiento” e “Letras”. Chegou ainda a dirigir na sua cidade natal a revista “Mireya”. Até hoje é considerado um dos principais autores da literatura dominicana.




A Los Héroes sin Nombre

Vosotros, los humildes, los del montón salidos,
heroicos defensores de nuestra libertad,
que en el desfiladero o en la llanura agreste
cumplisteis la orden brava de vuestro Capitán;

Vosotros, que con sangre de vuestras propias venas,
por defender la patria manchasteis la heredad,
hallasteis en la lucha la muerte y el olvido:
la gloria fue, absoluta, de vuestro Capitán.

Cuando el cortante acero del enemigo bando
cebó su torpe furia en vuestra humanidad,
y fuisteis el propicio legado de la tumba,
sin una cruz piadosa ni un ramo funeral,
también a vuestros nombres cubrió el eterno olvido:
¡tan sólo se oyó el nombre de vuestro Capitán!...

Y ya cuando a la cumbre de la soñada gloria
subió la patria ilustre que fue vuestro ideal,
en áureos caracteres la historia un homenaje
rindió a la espada heroica de vuestro Capitán.

Dormidos a la sombra del árbol del olvido,
quién sabe en dónde el resto de vuestro ser está!
Nosotros, los humildes, los del montón salidos,
sois parias; en la liza, con sangre fecundáis
el árbol de la fama que da las verdes hojas
para adornar la frente de vuestro capitán!...



O poema refere-se a quais humildes? Camponeses dominicanos da época de Bermúdez e Ortega? Trabalhadores do nosso século? Um professor me disse certa vez que um poema torna-se universal porque, como sugere Umberto Eco em sua “Obra Aberta”, dá ao leitor a possibilidade de expandir sua interpretação. Analisando, percebe-se que los humildes podem ser quaisquer pessoas que se enquadrem nos versos do poema, independente de época e lugar.

Em Santa Maria, é só andarmos no calçadão e reparar na feição de muitos cidadãos batalhadores, com semblante firme e postura perseverante, lidando diariamente com seus afazeres, para compreender que muitos desses humildes, no fundo, são gigantes que fazem da vida um verdadeiro milagre... São pessoas com histórias às vezes incríveis, que contribuem para a sociedade de uma ou outra forma, mas não são lembradas pela coletividade da qual fazem parte, servindo simplesmente para adornar la frente de vuestro capitán!...

Através da mídia percebemos o quanto a sociedade - não só brasileira, mas latino-americana - é diversificada. Frederico Bermúdez y Ortega mostra-nos que, desde a sua época, dentro dessa diversidade existem elementos comuns entre os latino-americanos, independente de serem da República Dominicana ou aqui do Brasil. O que corrobora, de certa forma, a história que nos foi ensinada na escola, sobre a exploração da nossa terra e da nossa gente.

Para finalizar, quando flanarmos por aí, é bom estarmos atentos aos rumores e pessoas que estiverem ao nosso redor. No meio de tanta estupidez e coisas que não fazem sentido, nossa vida ganha significado ao percebermos que na nossa volta existem Héroes sin Nombre.


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[1] http://www.cubaeuropa.com/cubarte/poesia/PoesiaLatinoamericana.htm Acessado em 26/11/2007.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O Bem e o Mal

O escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano nasceu em Montevidéu, em 1940, e foi exilado político durante o período de Ditaduras na América do Sul. Galeano escreveu diversos livros sobre a história do continente latino-americano, enfocando sempre o lado dos povos que sofreram nas mãos dos colonizadores europeus e, mais recentemente, estadunidenses. Seu livro mais conhecido é “Veias Abertas da América Latina”.

O livro que eu apresento hoje é “O Teatro do Bem e do Mal”, uma coletânea de artigos publicados em jornais e revistas de diversos idiomas. Os textos são variados e bem-humorados, mesmo quando falam de assuntos tristes (o que não acontece poucas vezes). O autor faz duras críticas ao governo e ao modo de governar dos norte-americanos e, também, à mania destes de sair por aí invadindo países e bombardeando tudo. Além disso, mostra uma profunda preocupação com o futuro do planeta, citando exemplos de empresas que poluem e, ainda assim, apregoam-se como defensoras do verde. Exemplos de hipocrisia, aliás, é o que não falta no livro; o autor cita desde os slogans da publicidade até um grande cartaz na entrada do Banco Mundial, em Washington: “Nosso sonho é um mundo sem pobreza”.

Apesar dos textos mostrarem a opinião do autor sobre o mundo louco em que vivemos, também há espaços para a linguagem SMS e frases de muros, epitáfios e ex-votos da América Latina. Chamam a atenção os textos sobre o preconceito racial, assunto em destaque nos dias atuais.

Galeano tem um grande senso crítico e um profundo amor pelo nosso continente e pelo seu país. Em seus textos, não poupa o capital internacional, a dominação dos bancos e as contradições do mundo hoje. Ler Eduardo Galeano é encontrar alguém que não tem medo de escrever aquilo que todos – ou pelo menos muitos – pensamos.

O livro “O Teatro do Bem e do Mal” é um bom começo para conhecer o autor. Eu recomendo também “Mulheres”, o primeiro livro dele que eu li, ainda no colégio, que traz lendas do nosso continente sobre as mulheres.


quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A Imitação da Rosa



"Laços de Família" é o primeiro livro de contos da escritora brasileira Clarice Lispector. O universo feminino constitui-se no principal aspecto abordado em sua obra. A constante explosão diante da violência represada é um traço comum nas personagens.

O conto "A Imitação da Rosa", narrado em terceira pessoas, trata da condição to familiar. No conto, a personagem Laura, esposa de Armando, de volta ao lar após período de internamento numa clínica psiquiátrica, espera pelo marido para irem jantar. Sua amiga antiga, Carlota, e o marido desta também estarão presentes.

Durante a longa espera, Laura procura se prender obsessivamente a sua imperfeição singela de mulher afeita à rotina, pouco original e desinteressante. Enquanto reflete, a perfeição das rosas que comprara pela manhã torna-se cada vez mais sedutora. Ela, então, compara as rosas a uma das tentações de Cristo, lembrado do livro A Imitação de Cristo que lera quando estava no colégio sem entender o história; apenas tinha a certeza de que aquele que o imitasse estaria perdido.

Laura ainda tenta se defender do abismo ao qual estava novamente se entregando: o abismo da perfeição de Cristo e das rosas. A beleza das rosas torna-se um transtorno. Assim, ela volta ao estado de transe que fez com que fosse internada.
Quando Armando finalmente chega encontra a mulher num pedido de perdão que se confunde com a altivez de uma solidão quase perfeita. Ele percebe Laura alerta e tranquila como se fosse um trem. Trem, no entanto, que já havia partido.

Links:




quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Fulgor e Morte de Joaquín Murieta

O escritor chileno Pablo Neruda (1904-1973), foi sem duvida uma das maiores expressões da poesia mundial, e no livro “Fulgor e Morte de Joaquín Murieta”, traz a história deste “herói ladrão”, Joaquín Murieta um domador de cavalos e mineiro chileno, junto com milhares de compatriotas fazem parte da grande corrida do ouro na Califórnia.

A promessa de riqueza e aventura, com a descoberta dessas jazidas transforma a Califórnia, em especial a cidade de San Diego, um porto onde se ouviam todas as línguas, chilenos, mexicanos, irlandeses e chineses, saem de suas nações para colher desse fruto. Mas segundo Três Dedos um dos personagens “ onde há ouro existe problemas”.

Durante a viagem Joaquín conhece uma camponesa chamada Teresa, e acabam se casando no navio durante a travessia, com aquela mistura de línguas e costumes, logo começam os desentendimentos e conflitos raciais, um grupo que pregava a superioridade branca, eram os Rangers, vigilantes que tentavam expulsar os “chicos” dos EUA.

Após um ataque, dos Rangers onde os latinos acabaram levando a melhor, eles invadem a casa dos mineiros chilenos e matam a esposa de Joaquín, nesse momento é despertado o gigante adormecido, numa cruzada contra o grupo racista, em nome da vingança, os ataques contra os imigrantes não ficaram mais impunes, o “herói ladrão”, junto com seu bando começaram uma guerrilha sombria que durou um ano até sua captura, ele foi decapitado, e os homens que expunham o troféu enriqueceram com o espetáculo, a cabeça do homem mais perigoso da Califórnia que roubava e incendiava a casa dos colonos ianques.

Nesse livro temos uma boa idéia da ideologia política de Neruda, desde o combate direto até o exílio, onde o homem “subdesenvolvidinho”, é enganado pelo “cavaleiro astuto” e quando tenta recuperar o que é seu, morre “crivado de balas”.
Uma das curiosidades é que essa peça teatral foi escrita por Pablo Neruda, quando tinha 16 anos, logo depois ele divide os diálogos, dando vida aos muitos personagens e faz a descrição dos quadros, mostrando o lado teatrólogo de Neruda.



No YouTube para ver:
http://br.youtube.com/results?search_query=pablo+neruda+murieta

+ Poemas de Nerauda
http://www.pensador.info/autor/Pablo_Neruda/

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Ana Terra

E é com grande prazer que vos falo sobre este grande escritor brasileiro do século XX, Érico Veríssimo. Somente para deixa-los com água na boca comentarei o primeiro livro da trilogia O Tempo e o Vento, Ana Terra, a partir daí sigam suas leituras por toda a obra que é mais do que recomendada, é excelente.

Veríssimo nasceu em 1905 em Cruz Alta e faleceu aos 70 anos em Porto Alegre. Filho de uma família rica, mas decadente não completou nem os estudos secundários. Devido à necessidade de trabalhar Érico conseguiu emprego em uma farmácia, mas não foi bem sucedido e então em 1930 foi morar em Porto Alegre e trabalhar na redação da revista do Globo.

Seu primeiro grande sucesso foi o livro intitulado “Clarissa” em 1933. Morou por muito tempo nos Estados Unidos onde lecionou literatura brasileira na Universidade de Berkley e foi diretor do Departamento de Assuntos culturais da Organização dos Estados Americanos em Washington.

Ana Terra vivia com sua família distante do mundo em Rio Grande de São Pedro (Rio Grande do Sul) e alem de trabalhar, aos 25 anos esperava por seu amor e casamento. Um dia encontra um índio, Pedro, ferido em uma sanga perto de suas terras. A família o leva para o rancho para ajudar o índio, mas com o tempo Pedro vai se estabelecendo ali, mesmo contra a vontade do pai e dos irmãos de Ana Terra.

Assim que a família de Ana descobre que ela vai ter um filho de Pedro Missioneiro, ele é assassinado e enterrado forra das terras dos Terra, tudo pela honra familiar. Nasce o filho de Ana terra com o mesmo nome do pai em 1789. Algum tempo depois o rancho é atacado por castelhanos que matam o pai a mãe e os irmãos e destroem a casa dos Terra alem de estuprarem Ana.

Então Ana sua irmã seu filho e sua sobrinha seguem viagem com as carretas de Marciano Bezerra até as sesmarias de Ricardo Amaral, Santa Fé. Pedro vai primeiro a guerra por ordem do coronel e quando volta se casa com Arminda Mello e junto com ela tem dois filhos: Juvenal e Bibiana.Pedro então é mandado de novo a guerra, mas desta vez já parte sem a ilusão de que ira voltar e pede para sua mãe tomar conta de tudo.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A Velhinha de Taubaté

Não se sabe, exatamente, o seu endereço, mas tudo indica que seja em Taubaté. Outros detalhes - nome, estado civil, CIC - são desconhecidos. Sabe-se apenas que é uma velhinha, que mora em Taubaté e que passa boa parte do seu tempo numa cadeira de balanço assistindo ao Brasil pela televisão.




Alguém aí já ouviu falar na Velhinha de Taubaté? É mais um dos cômicos personagens criados por Luís Fernando Veríssimo. Em um país de incrédulos quanto ao futuro da nação, a Velhinha de Taubaté é o último bastião da credulidade nacional! Ninguém acredita em mais nada nem em ninguém no país.

Famosa por ser "a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo", Veríssimo contava que, tudo que acontecia de aparentemente sério no país era, na verdade, uma grande encenação para a velhinha de Taubaté.

"Acreditava" porque em 25 de agosto de 2005, a velhinha teve o seu falecimento anunciado pelo seu criador, na crônica intitulada Velhinha de Taubaté (1915-2005). Ela teria morrido em frente à TV, decepcionada com o quadro político brasileiro, em especial com o seu ídolo, Antonio Palocci: Ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a Velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio.


Na comunidade de informação existe um código para a velhinha de Taubaté - VT, ou "jibóia", já que ela engole tudo - e é pensando nela que são preparados os comunicados oficiais para ó público externo. (...) De vez em quando acontece alguma coisa que faz a velhinha de Taubaté ficar tesa na sua cadeira de balanço e dizer: "Epa". Outro atentado de direita, por exemplo. Mas logo uma autoridade anuncia que haverá um "rigoroso inquérito e a velhinha de Taubaté descansa. Tudo se esclarecerá.



Para quem quer dar umas boas gargalhadas, a Velhinha de Taubaté é excepcional. De qualquer forma, o mais engraçado (ou estranho) de toda a história é verificarmos que existem várias Velhinhas de Taubaté por aí.
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Sites relacionados:

domingo, 18 de novembro de 2007

Crônica de uma morte anunciada



Gabriel Garcia Marquez é um importante escritor colombiano, jornalista, editor e ativista político. Marquez em Aracataca, Magdalena, em 6 de março de 1928. Com o sucesso de suas novelas e histórias curtas, caracterizadas pela fusão entre a realidade e a fantasia, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura por sua obra no ano de 1982.


O primeiro trabalho literário foi o romance "La Hojarasca", publicado em 1955. Em 1957 publicou aquele que é considerado um marco na literatura latino-americana: "Cem Anos de Solidão". Com a obra, Marques tornou-se o responsável por criar o realismo mágico na literatura latino-americana. Suas histórias são bastante influenciadas pelo avô materno Nicolás Marquez, que era um veterano da Guerra dos Mil Dias, e pela avó materna Tranquilina Iguarán. Os personagens de "Cem dias de Solidão" reforçam essa influência.


O livro "Crônica de uma morte anunciada" foi publicado em 1981, ano anterior ao do Nobel de Literatura, consagrando Marquez como um dos principais autores do século. No decorrer da narrativa sóbria e direta, o leitor pode perceber o rigor jornalístico que caracteriza a reconstituição dos fatos que levaram à morte da personagem Santiago Nazar. Porém, predominam a sensualidade e a beleza de sua narrativa, presentes em toda a sua obra.


A obra é narrada por um amigo de Santiago Nazar que depois de alguns anos resolve reconstituir a história deste. Na noite anterior à tragédia, ambos estavam no casamento de Ângela Vicário e Bayardo San Román. Até então ninguém imaginava o que aconteceria.


Após o casamento, Román e Ângela vão para a casa onde futuramente iriam morar. Porém, a primeira noite íntima do casal acaba revelando ao marido o que ela tanto temia: não era a primeira vez de Ângela. Bayardo, então, ainda durante a madrugada, leva a mulher de volta para a casa dos pais.


Pedro e Pablo Vicário, os gêmeos irmãos de Ângela exigem que ela diga quem foi o responsável pela desonra da família. Ângela diz que o autor fora Santiago Nazar. Os irmãos, munidos das facas usadas para sacrificar os porcos, saem para matar Santiago. Mesmo não estando muito convictos do que fariam, fato comprovado pelas inúmeras pessoas a quem contaram suas intenções, os gêmeos cumprem o prometido.


O que mais surpreende no caso é o fato de várias pessoas próximas a Santiago Nazar saberem que os irmãos Vicário estavam procurando Santiago Nazar para matá-lo, mas nenhum teve a oportunidade de avisá-lo. A estranha suscessão de coincidências sugere que não haveria como impedir a morte dele.


Links:














sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O Dia em que Borges matou Martin Fierro

O escritor argentino Jorge Luis Borges foi degustado aqui no blog no dia 16 de outubro pelo nosso filósofo Jorge Robespierre. Eu me limitarei a comentar o livro Ficções, publicado pela primeira vez em 1944. Composto de diversos contos, a obra traz muitos elementos recorrentes na obra de “El Brujo”, como os labirintos, os espelhos e a questão do tempo.

Quando iniciamos a leitura do livro, a primeira impressão é de estranhamento com as narrativas fantásticas de Borges, porém, em pouco tempo, estamos absortos neste universo labiríntico de histórias que discutem, às vezes sutilmente, a questão do tempo. Ele nos é apresentado de forma metafórica e alegórica, muitas vezes simbolizado por caminhos ou pelos acasos.

Alguns contos tratam de livros imaginários, outros dos cenários do sul da América do Sul; este último aspecto torna a narrativa especialmente interessante para quem é do Rio Grande do Sul e provavelmente vai reconhecer e se identificar com muitas passagens. Outros contos têm a interessante característica de ser um conto dentro de um conto dentro de um conto: um narrador conta a história de alguém que está contando a história de alguém.

Os personagens borgianos são sempre complexos, como o autor Pierre Menard que dedicou sua vida à reescrever Dom Quixote, mas não outro Quixote e sim O Quixote. Outros que poderiam servir de exemplo são o mago de “As Ruínas Circulares” e o personagem principal de “Funes, o memorioso”, um conto que segundo o próprio autor “é uma vasta metáfora da insônia”.

Pensei em falar de algum conto em especial, mas não sei se isso seria possível. Os contos de Borges abrem tantos caminhos quanto os caminhos de seus contos. Qualquer comentário que eu fizesse seria uma ínfima parte da realidade que ele encerra. Um conto de Borges nunca é UM conto de Borges, é sempre infinitos contos dentro de um só, como dois espelhos postos frente a frente e que se refletem infinitamente.

É preciso ler Borges para entender o que escrevo aqui. A minha dica para os navegadores da Internet – esse grande hipertexto que é um labirinto e lembra a biblioteca do conto “A Biblioteca de Babel” – é conhecer devagarinho o autor portenho, saboreando cada conto diversas vezes. Ao final da leitura de um dos contos deste livro será possível entender o porquê do título deste post.

Para ler alguns contos de Borges é só clicar em algum destes links

A Loteria da Babilônia http://www.releituras.com/jlborges_loteria.asp

Biblioteca de Babel http://www.fcsh.unl.pt/borgesjorgeluis/textos_borgesjorgeluis/textos6.htm

Pierre Menard, Autor do Quixote http://www.fcsh.unl.pt/borgesjorgeluis/textos_borgesjorgeluis/textos7.htm

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A Aliança

O livro “As mentiras que os homens contam” é uma seleção de crônicas garimpadas de várias publicações do autor, é o primeiro livro da Série Ver!ssimo. E nós do “Sopão de Letras” trazemos mais um pouco do escritor gaúcho. Reunindo 41 histórias, algumas inéditas em livro. Depois de percorrer as 176 páginas, o leitor certamente vai se lembrar de algumas situações parecidas que ocorreram em sua vida. Então se junte a essa deliciosa galeria de mentirosos inventados por Veríssimo.
Uma das mentiras, ou seja, crônica do livro é “A Aliança” , conta a história de um homem que chegou, na idade na qual com certeza, não será o dono de um cassino. Nesse ponto só duas coisas podem acontecer com ele, ganhar na loteria, ou lhe furar o pneu, furou o pneu. O homem então, tira o macaco do carro, o levanta, troca o pneu, e quando já estava fechando o porta malas caba perdendo a aliança no bueiro.
Nesse momento, ele começa a pensar em um possível diálogo com a esposa, onde contaria a versão de sua historia, assim como ela aconteceu, a saída do trabalho, o carro, o pneu, a aliança e o bueiro. Ma s tal dialogo imaginário, tem um desfecho trágico sua mulher não acredita em suas palavras, acusa-o de ter tirado a aliança para fazer um programa e sai de casa com as crianças.
Ao chegar em seu lar, resolve contar para a esposa a mentira, que na verdade ele perdera a aliança, quando fez um programa, a mulher faz uma cara de choro, vai ao quarto, fica lá por dez minutos, e volta dizendo que isso apontava uma crise no casamento, e que com bom senso acabariam resolvendo. A crônica termina assim :
-O mais importante é que você não mentiu para mim.
E foi para o jantar.
Aqui está uma adaptação da crônica, muito boa...

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Ratos...

Dyonélio Machado é autor do livro a ser estudado hoje. Nascido em 21 de agosto de 1895 na nossa queridíssima Quaraí terra natal do nosso grande colega de sopa Jorge Robespierre. Conhecidíssimo pelo romance “Os Ratos” que ganhou o prêmio Machado de Assis em 1933.

Dyonélio não teve uma vida fácil, perdeu seu pai muito cedo e por isso aos oito anos teve de começar a trabalhar para ajudar a mãe e o irmão mais novo. Mas nada o impediu de se tornar jornalista, escritor e médico especializado em psiquiatria. Militante comunista foi preso duas vezes, o que não o impediu de ser eleito pelo PCB deputado estadual e se tornar chefe da bancada do seu partido na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.

O romance “Os Ratos” contam um dia da vida de Naziazeno. O endividado funcionário público passa o dia tentando ganhar dinheiro para pagar seus credores. A angustia tanto do protagonista quanto à do leitor aumenta conforme Naziazeno consegue quitar uma divida e fazer outra.

Naziazeno sofre tanto que é tomado pelo desespero. Sente cansaço, fome, tenta ganhar algum dinheiro no jogo do bicho, aposta também em corrida de cavalos, pede dinheiro emprestado até com agiotas e entre outras coisas, não pode deixar de comprar o leite pro filho que a mulher faz tanta questão.

Enfim, um livro de vocabulário simples, direto e de rápida leitura que em suas poucas páginas consegue relatar uma infinidade de situações enfrentadas por muitos brasileiros.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Ode aos Desgarrados

A estrada da vida pode ser longa e áspera. Faça-a mais suave, caminhando e cantando com as mãos cheias de sementes.
(Cora Coralina)



O poeta Galdino Barreto nasceu em Quaraí, RS, em 1976. Começou na poesia divulgando versos de sua autoria em um dos jornais da cidade, publicando posteriormente os livros Um Poeta e Seus Messenas (1998), O Quilombo Contemporâneo (2003), As Dores do Vento (2005), uma antologia de obras de poetas quaraienses chamada A Nova Antologia da Poesia Quaraiense (2006) e Breu, o lado escuro de um poema (2007). Amante das letras e possuidor de sensibilidade aguçada, Galdino Barreto está despontando como um dos futuros grandes nomes da poesia – não só quaraiense, mas também gaúcha.

A poesia de Galdino, como bem destaca a Mestre em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria, Idene Mariano Godois, no prefácio de Breu, o lado escuro de um poema, “escreve aquilo que gostaríamos de dizer, (...) acorda em nós um ser há muito tempo adormecido”. Isso porque sua poesia trabalha temas cotidianos. Obviamente que cotidiano não simboliza banal; ao contrário, cotidiano na poesia de Galdino Barreto denota aquilo que presenciamos, aquilo que nos toca de alguma forma, mas temos dificuldade ao verbalizar. O poeta expressa essas inquietações em forma de verso, com uma linguagem simples e não rebuscada.

Dentre os cinqüenta e seis poemas contidos no livro Breu, o lado escuro de um poema, selecionei Meta... de Sul.

A tristeza impera
Um vazio corrompe o sorriso amarelo
Um movimento morto provoca o riso em noite silenciosa
Já me acostumei com a tua falência
Com a tua face verde em dias de chuva
Quanta terra mal aproveitada...
Peleia Pai!
Chora mãe!

Vem progresso!
Vem depressa
Ainda cremos no amanhã
Acorda interior... Do interior do teu sono passado
Acorda... Um cego te chama
Um surdo te ama... Te escuta
Falta pão, saneamento, infra-estrutura
Lenços...
Creme anti-rugas

Que as esquinas reconheçam
Tua virtude prudente
Teu solo fértil...
Ter não é te ter por metade
O vento fuga em infinito farto...
Rodoviárias...

Irmãos em retirada...
Mas vamos mudar o futuro em breve
Mudar votando
Sem pecar em carne fraca
Nossos anjos convoco agora
Por muitos... Enfim... Nós queremos
Dignidade da boca
Uma voz que mesmo rouca
Fale...
Lute...
Grite por nós...


A inquietude pelo progresso é o tema central deste poema. É por isso que a poesia de Galdino Barreto ultrapassa as fronteiras de Quaraí. Os versos de Meta... do Sul operam como um espelho da realidade de muitos municípios gaúchos (quiçá também do resto do país), principalmente dos de interior, que têm seus filhos arrancados de si por não propiciarem condições de sustentabilidade e perspectiva de futuro. Essas localidades vêem seus jovens aventurando-se em outras cidades em busca de estudo ou trabalho. O pior de tudo é a tristeza de saber que provavelmente esses cidadãos desgarrados não mais voltarão.

Santa Maria, apesar de não ter tanto problema com o êxodo de cidadãos, também enfrenta o “dilema do progresso”. Cidade cultura? Grande cidade ou urbe interiorana com aspecto de metrópole? Não se ter fundamentos claros e distintos para analisar esses problemas é incomodativo. O poema de Galdino Barreto traz à tona essas questões:
“Quanta terra mal aproveitada... / Peleia Pai! / Chora mãe! / Vem progresso! / Vem depressa / Ainda cremos no amanhã” (2007, p. 37)

Por fim, diferentemente de outros escritores gaúchos que exaltam as glórias e façanhas de gaúchos de outrora, Galdino Barreto – no poema Meta... do Sul - segue, de certa forma, a linha de Cyro Martins, optando pelos “desvalidos do pampa” como personagens da sua poesia. O poema é uma espécie de Tropa Amarga (do também quaraiense Luiz Menezes) adaptada para os dilemas do novo milênio, destinada a nós, pequenos desgarrados em busca de um futuro melhor.


Ainda cremos no interior / Acorda interior... Do interior do teu sono passado / Acorda... Um cego te chama / Um surdo te ama... Te escuta (2007, p.37)