sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Testemunho

O escritor e jornalista Eric Nepomuceno é conhecido por traduzir os principais autores contemporâneos da literatura hispânica. Amante da cultura latino-americana, ele atuou por vários anos como correspondente de jornais brasileiros no exterior. É desse período que nasceu o livro “Caderno de notas: um repórter na América Latina”, que foi reeditado alguns anos depois com novos textos. Foi essa segunda edição que eu “descobri” por acaso, hoje, na biblioteca. Desisti do livro que eu iria comentar e li “Caderno de notas” de uma vez só. Não me arrependi: o livro é muito bom.

O livro foi organizado com textos que tinham sidos alterados ou não publicados por motivos políticos e anotações, daquelas que os repórteres fazem para serem utilizadas um dia. Escrito com uma linguagem coloquial, o texto se aproxima muito mais da oralidade do que da gramática, é como estar ouvindo a história de uma testemunha que conta tudo o que viu, ouviu e sentiu. Nepomuceno nos conta, por exemplo, o dia em que a Argentina chorou a morte do general Perón, um relato impressionante que causa arrepios mesmo em quem não era nascido naquela época. Também narra momentos importantes da história recente do continente, que muitas vezes desconhecemos, como algumas atrocidades das ditaduras que abalaram vários países da região e a dura situação dos mineiros bolivianos.

O autor mostra, ainda, a vida na Nicarágua durante o ataque dos Contras e o embargo econômico ao país, além de contar a história do Canal do Panamá – e a esperança do país em conseguir a soberania de volta. No fim, um texto em homenagem ao amigo Julio Cortázar e uma entrevista com o escritor mexicano Juan Rulfo, na qual o autor de Pedro Páramo explica porque parou de publicar seus textos. Nepomuceno abre seu caderno de notas para mostrar o que presenciou como jornalista. Seu livro lembra momentos históricos que teimamos em esquecer ou não nos interessamos em conhecer.



É possível ler alguns textos de Nepomuceno na internet, é só clicar em:

http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/arquivo85.htm
http://www.jobim.com.br/colab/ericnepo/eric.html
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernob/2005/12/05/jorcab20051205012.html
Para saber mais sobre seu livro “O Massacre” que narra o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará em 1996, clique no link: http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=734

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O Guardador de Águas

Manuel de Barros é considerado um dos principais poetas contemporâneos do Brasil. Nasceu no Beco da Marinha, em Mato Grosso, no ano de 1916. Com suas obras recebeu diversos prêmios, como o "Prêmio Orlando Dantas", conferido pela Academia Brasileira de Letras, em 1960, ao livro "Compêndio para Uso dos Pássaros".


"O Guardador de Águas é tido como uma das principais obras do autor. De acordo com a crítica Berta Waldman, "a eleição da pobreza, dos objetos que não tem valor de troca, dos homens desligados da produção (loucos, andarilhos, idiotas de estrada), formam um conjunto residual que é a obra da sociedade capitalista; o que ela põe de lado, o poeta incorpora, trocando os sinais."


As águas que o autor guarda não são passíveis de serem consideradas límpidas e cristalinas. Ao invés de abordar a beleza das coisas, "O Guardador de Águas" mostra a doença delas. Aspectos normalmente ignorados em outras circunstâncias de construção de narrativas constituem grande parte da obra.


A poesia de Manuel de Barros traz os pequenos seres como a coisa que pulsa, apesar de serem menos que personagem, menos que objetos evocados pela voz do guardador:

"Eles enverdam jia nas auroras.

São viventes de ermo. Sujeitos

Que magnificam moscas - e que oram

Devante uma procissão de formigas...

São vezeiros de brenhas e gravanhas.

São donos de nadifúndios."


Assim como as águas escorrem tranquilas diante do olhar distante de Bernardo, também a narrativa segue um ritmo uniforme. Através da metapoesia, o autor apresenta inflexões, elipses, que o leitor identifica na própria voz do guardador e nas águas que o mesmo guarda:

"Escrever nem uma coisa

Nem outra

A fim de dizer todas.

Ou pelo menos, nenhumas.

Assim,

Ao poeta faz bem

Desexplicar

Tanto quanto escurecer acende os vaga lumes."
Portal de Língua Portuguesa:
Site da Fundação Manuel de Barros:

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O homem nu


Essa crônica de Fernando Sabino, dá uma prova de seu talento de transformar casos cotidianos em reflexões sobre a condição humana, temos a história do bom cidadão, que ao acordar pela manhã, antes de partir para o trabalho, vai para a porta de seu apartamento buscar o pão deixado pelo padeiro, como qualquer outra manhã de sua vida, um evento corriqueiro, que por um descuido quase se transforma em um desastre.



Ao acordar sua mulher, ele pede que quando o cobrador da tv chegasse eles fizessem silencio, já que no momento ele "não tinha nenhum" , essa história de pagar outro dia, parecia coisa de picaretagem para o bom cidadão, era melhor que o cobrador pensasse que não havia ninguem na casa. O trato estava feito e ele poderia conviver com sua consciencia limpa e pagar no outro dia, tira seu roupão, e vai até o banheiro, mas sua mulher ja havia se trancado lá, vai até a cozinha e prepara um café, vai até a porta do apartamento, olha bem para os dois lados caminha em direção ao pãozinho e por um infortunio a porta acaba batendo ás suas costas.



Pronto, agora nasce o homem nu, até o momento desse acidente a nudez dele não era um problema, fechado na sua casa era apenas uma pessoa que não tinha o dinheiro para pagar a prestação de sua televisão, mas agora estava ele preso do lado de fora de seu mundo, pelado,

quando aperta a campainha de sua casa ouve o chuveiro desligar e um silencio toma conta do apartamento"ela deve achar que ja é o cobrador".

A história se complica quando a empregada começa a subir as escadas , desesperado ele pula para dentro do elevador escondedo-se do flagrante, pensa que está a salvo ,e a máquina começa a se movimentar, a indignação toma conta dele, apavorado por estar cada vez mais longe de sua casa, aperta o botão de emergencia abre a porta entre os anadres e sobe até seu andar.



Sua condição começa a lhe irritar golpeia a porta com força e se põe aos gritos chamando sua esposa, a velha do apartamento ao lado e alguns vizinhos saem para ver o que aconteceu, a velha se depara com a cena do "padeiro" nu a sua frente e liga para a polícia. sóSuma questão a ser pensada estranho como as pessoas que vivem ao nosso lado não nos conhecem, bom voltando para a história , sua mulehr(Maria) finalmente abre a porta e ele entra como um foguete dentro de casa.



Ja vestido e no momento em que a situação começa a esfriar la fora, tocam a campainha, ele pensa meu Deus é a polícia, não era, eis que chegava o cobrador. Uma pequena mentira um pequeno descuido e o homem estava nu fora de sua casa, tentando se esconder das pessoas que moravam perto dele mas que não conhecia.

A Cartomante

Descendente de escravos alforriados, Machado de Assis, 1839, é considerado um dos mais importantes escritores brasileiros. Autodidata, dominou três línguas alem do português, que lhe permitiram traduzir importantes obras como o romance “Trabalhadores do Mar” de Victor Hugo e o conto “O Corvo” de Edgar Allan Poe.

Com quinze anos seu primeiro texto foi publicado em um jornal, apesar disso seu primeiro livro é lançado apenas em 1864, “Crisálidas”. Foi após ter se aposentado que Machado escreveu grande parte de sua obra. As obras mais importantes do autor são: “Dom Casmurro” (1900), “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881) e “Quincas Borba” (1892).

O conto “A Cartomante” faz parte dos livros “Varias Historias” e “Contos: Uma Antologia”. Um dos motivos que torna a leitura deste texto em especial muito interessante é o fato de ter sido escrito em 1884 e mesmo 124 anos depois tratar de um tema tão atual. O drama é vivido por Camilo: melhor amigo de Vilela e amante de Rita, esposa de Vilela.

O suspense criado é enorme e é capaz de fazer suas seis páginas de desenvolvimento parecerem dezenas até culminar em seu clímax e um descrente buscar os conselhos de uma cartomante. Machado torna o texto tão envolvente que impossibilita o leitor de não sentir a mistura de sentimentos de Camilo ou de não ler o conto até seu desfecho.

Para conferir o conto acesse http://www.releituras.com/machadodeassis_cartomante.asp e verás que mesmo que tivesse centenas de paginas lerias todo de uma só vez.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A Natureza do Escorpião

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Um escorpião quer atravessar um rio, mas não sabe nadar. Pede carona a um sapo. Desconfiado, o sapo recusa-se a carregá-lo nas costas. O escorpião insiste. "Não posso", diz o sapo, "por que tu vais me picar". "Deixa de ser burro, se eu te picar, morremos afogados os dois". O argumento faz o sapo ceder. No meio do rio, ao sentir o fogo do veneno nas costas, o sapo, perplexo, ainda tem tempo de perguntar por quê. "Não consegui resistir à minha natureza", explica o escorpião.
(2002, p.17-18)
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Dentre as tantas palavras possíveis de se utilizar para descrever O Escorpião da Sexta-feira, de Charles Kiefer, instigante com certeza é uma delas. Alguns livros nos causam tédio, outros nos fazem ficar pensando no enredo por cinco dias ou mais depois de ler a última página. Esta obra é daquele tipo que nos leva a ficar de olhos arregalados durante toda a leitura, e quando chegamos ao final da história, permanecemos pensando no desfecho por dias!
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O início da história se dá em uma noite comum de Porto Alegre. Nela, Antônio – nosso protagonista, busca uma acompanhante. A companhia encontrada é uma prostituta chamada Maura que, com pouco esforço, ele consegue levá-la para casa. Para quê? Ora, caro leitor, use sua imaginação!
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Se você pensou “naquilo”, errou.
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Charles Kiefer é um escritor gaúcho natural de Três de Maio. Tem trinta livros editados e ganhou por três vezes o Prêmio Jabuti de Literatura, entre outros. Mesmo com títulos lançados por editoras regionais, obteve, no total, mais de 300 mil volumes vendidos. A reconhecida qualidade literária de seu trabalho em romances, contos , ensaio literários e poesia, levou a Editora Record a contratar a reedição de todos os seus livros, a partir de 2006. Há vinte anos dirige uma prestigiosa oficina literária, sendo o formador de uma leva de bons autores do Rio Grande do Sul.
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Sua obra tem sido adaptada para o cinema e para o teatro, como O chapéu, filme dirigido por Paulo Nascimento; Dedos de pianista, dirigido por Paulo Nascimento; Escorpião da sexta-feira, peça de teatro, e Quem faz gemer a terra, peça de teatro. Esta última já foi encenada mais de setenta vezes, inclusive na França, Suíça e Polônia. Tem livros editados na França e em Portugal. (dados extraídos de http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Kiefer).
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-Tu não gostas de mulher?, Maura indaga. Desiste de retorcer-se a minha frente.
-Claro que gosto, respondo.
-Então, o que eu preciso fazer pra te deixar de pau duro?, pergunta, subitamente cansada. Volta a sentar-se ao meu lado, no sofá.
-Um pouco mais de perversão, eu digo.
-Não entendi, ela responde e enxuga o suor da testa.
-Me deixa eu te amarrar, deixa?
-Vamos ver. Se eu me apaixonar por ti, deixo.
-Luísa gostava de ser amarrada, vendada, sadomizada.
-É que ela te amava.
(...)
-Quem é Luísa?
-A primeira, eu digo. Deita aqui. (2002, p. 29-30)

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É a partir deste diálogo com Maura, caro leitor, que Antônio, um sujeito frio, calculista e aficionado por escorpiões começa a contar a sua história. O início dela é parecido com o de muitas pessoas. Foi para a cidade grande, vivia sozinho, sustentava-se com o seu trabalho. Era um sujeito inteligentíssimo, com gostos excêntricos: condimentos, músicas antigas e, em especial, escorpiões. Certa vez conheceu Luísa, a mulher que o arrastou num turbilhão de desejo e paixão.
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Luísa era uma pessoa que alternava estados de euforia e depressão com "a rapidez dos ataques dos escorpiões". De acordo com Antônio, foi ela quem o fez abandonar horas de estudo e meditação por paixões altamente instáveis. Começaram a namorar.
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A personalidade de Antônio era representada metaforicamente pelo seu primeiro escorpião, chamado Gandhi, que era um aracnídeo manso e não venenoso. Luísa odiava escorpiões, a ponto de em um momento de loucura esmagar o coitado. Esse evento, somado a turbulentas paixões que atormentavam a alma de Antônio, em especial os ciúmes, já que Luísa era uma pessoa, digamos, “liberal por demás”, fizeram com que o nosso protagonista canalizasse todos seus sentimentos de forma assustadora. Essa segunda fase de Antônio pode ser identificada através do seu segundo escorpião, chamado Gengis Khan, que era um escorpião extremamente venenoso e agressivo.
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A história é contada por Antônio, e nela Luísa é o “monstro” responsável por tudo de ruim que passa a acontecer na sua vida. O sofrimento torna-se tão grande a ponto de servir de desculpa para as ações que se seguem. Não, caro leitor, Antônio não se suicida por amor! Este seria um conto romântico se esse fosse o desfecho. Ao invés de morrer por amor, Antônio começa a matar por prazer. Luísa, o estopim, foi sua primeira vítima.
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Apanhei um frasco de óleo de amêndoas no armário, encharquei as mãos e passei-as nos seus ombros, nas suas costas, nas suas nádegas.
-Ai, assim tu me deixas excitada.
Ignorei a provocação e continuei a massagem lustral, como se a preparasse para o sacrifício. Esfreguei-a por longo tempo, até que a pele absorvesse a fina camada de gordura vegetal. Depois, tomei-a nos braços. Era leve como uma criança. Carreguei-a até o quarto, escolhi um conjunto de calcinha e sutiã pretos, meias de nylon e cinta-liga, e o vestido de cetim azul.
-Foge de mim – implorei.
-Agora, que estás tão querido?
Luísa confundia a premeditação paciente com carinho, ternura. O escorpião, antes do ataque, aquieta-se, distende os pedipalpos, abaixa a cauda, mimetiza-se com o ambiente, para que o inseto não tenha a menor chance de reação. (2002, 113-114)
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Luísa, no caso, era o inseto.
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Em síntese, O Escorpião da Sexta-feira é um livro de leitura agradável, com linguagem simples, possuidor de personagens que, no ápice de suas “loucuras”, tornam-se extremamente atraentes, por serem influenciados por causas bem cotidianas, o que – em certos momentos – faz-nos parecer “Antônios” ou “Luísas”. Recomendo o livro.
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Vocês devem estar se perguntando o que aconteceu com Maura, a prostituta para a qual Antônio contou toda sua história. Bem... os escorpiões são calmos, metódicos e pragmáticos. Durante o dia, deprimidos pelo excesso de luz, dormitam escondidos em pequenos buracos, debaixo de pedras, sob a casca de madeiras apodrecidas. À noite, revitalizados e famintos, partem em busca de insetos, aranhas e outros escorpiões. Atacam sempre da mesma forma... (...) (2002, p. 13) Antônio também, é de sua natureza.
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Bibliografia utilizada:
KIEFER, Charles. O Escorpião da Sexta-feira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2002.
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Charles Kiefer:
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Comentário de Volnyr Santos sobre o Escorpião da Sexta-feira: