sexta-feira, 12 de outubro de 2007

O amor e a perdição.

Um verme devora o corpo de uma jovem mulher. Assim começa "À Beira do Corpo" do escritor gaúcho Walmir Ayala, um livro que narra uma história de amor e perdição em uma cidade do interior. Em uma crítica à hipocrisia que transpassa as cidades, em especial as pequenas, o autor traz a história de Bianca, uma jovem apaixonada e trágica que sonha em viver o seu grande amor, apesar de saber que se trata de um sentimento proibido. Já na primeira página sabe-se que o final de Bianca é triste: ela é o corpo devorado pelo verme que serve de narrador de sua vida e desgraça. Filha de um homem rude e próspero da cidade, a moça está noiva do trabalhador Vicente, um homem que admira e com quem se sente segura. Esse conto de fadas, porém, é interrompido quando ela conhece Sebastião, um tenente da brigada militar casado por quem a personagem sente uma atração incontrolável. Bianca casa-se com Vicente e engravida, mas não tarda a começar um caso com Sebastião. Com a ajuda da empregada, Flora, ela mantém um rumoroso caso que escandaliza a pequena cidade. A jovem briga com a família e posteriormente com a cúmplice que, como vingança, conta para o marido a traição. O final é sabido: Vicente mata os dois amantes para se vingar e limpar a sua honra perante a sociedade.
Na segunda parte, o livro mostra o ponto de vista do marido traído, Vicente, seu sofrimento e seu amor pela esposa. Nesta parte é revelada a participação do pai de Bianca no assassinato: foi ele quem deu a arma para Vicente matar a filha e o neto - a mulher estava grávida - para limpar a honra da família e diminuir sua vergonha perante a cidade. No julgamento é revisto o caso pelo ponto de vista de outras pessoas e o assassino é absolvido. O advogado que o defendeu, porém, antes de ir embora resolve agir como a consciência da cidade, expondo a todos sua vilania e insensatez ao julgar o casal de adúlteros.
Walmir Ayala não é muito conhecido, mas tem uma vasta bibliografia que inclui ficção, poesia e literatura infantil. Atuou como jornalista e ganhou muitos prêmios com suas poesias. Para conhecer algumas poesias do autor, clique em http://www.revista.agulha.nom.br/wayala02.html ou em http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/walmir_ayala.html , no último link é possível ver traduções em espanhol de seus poemas. Só para dar um gostinho:
CRER
Creio em mim. Creio em ti. Deus, onde mora?
Na vontade de crer que me consente
humano e ardente.
No meu repouso em ti, que me alimenta.
No que vejo e recebo, nesta vara
florida num deserto, em meu maná
de agora e de jamais. Saber-me hoje
tão digno do tempo que me mata
é arder-me em Deus, e este saber me basta. CRER

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O Negrinho do Pastoreio

A lenda "O Negrinho do Pastoreio" foi publicada pela primeira vez no "Correio Mercantil" em 26 de Dezembro de 1906. No livro "Lendas do Sul", de João Simões Lopes Neto, a obra aparece juntamente com outras histórias da cultura popular gauchesca. O autor, incorporando a fala simples, em gestos e prosa, do personagem Blau Nunes, gaúcho pobre mas de bom causo, traz a história de um menino negro, sem nome, a quem todos chamavam Negrinho.

Negrinho era escravo de um estancieiro conhecido por ser um homem muito mau e cauíla, que a ninguém ajudava. Seu filho,mais o cavalo baio cabos-negros e o Negrinho eram os únicos que ele olhava nos olhos.

Este estancieiro desafiou seu vizinho em uma carreira. O baio, montado pelo Negrinho, corria contra o cavalo mouro do outro fazendeiro. Apesar de todas as preces do escravo à Virgem, Nossa Senhora, da qual ele mesmo se dizia afilhado, o vencedor foi o cavalo mouro. De volta à fazenda, o estancieiro mandou açoitar Negrinho. Na madrugada, ordenou-lhe que fosse pastorear, auxiliado apenas pelo cavalo baio, trinta tordilhos negros.

Negrinho passou o dia inteiro sem comer e à noite não conseguia dormir com o medo, frio e fome que o incomodavam. Somente após pensar em sua madrinha Virgem Nossa Senhora conseguiu acalmar-se e adormecer. Mas, enquanto dormia, vieram os guaraxains e cortaram a corda que prendia o cavalo baio. Este, assim que se viu solto, espantou toda a tropilha e fugiu.

Ao amanhecer, o filho do estancieiro foi até a coxilha onde deveriam estar os cavalos. Quando chegou ao local, vendo que os animais não estavam ali, voltou para a fazenda e disse ao pai que o Negrinho deixara a tropilha fugir. O estancieiro novamente mandou dar-lhe uma surra e ordenou-lhe que fosse buscar a tropilha. O Negrinho, auxiliado apenas por um pedaço de vela aceso, que havia pego no oratório da casa, saiu para encontrar os cavalos. Por onde passava, os pingos de vela permaneciam acesos e chegaram a tal número que clareavam toda a estância. Assim, o menino escravo encontrou os animais. Porém, no início da manhã seguinte, o filho do estancieiro foi até a coxilha e enxotou todos os cavalos.

Desta vez, o castigo foi tão forte que o menino acbou morrendo. Não contentando-se com a morte do escravo, o estancieiro pôs seu corpo em um formigueiro, para que fosse devorado.

Os peões da fazenda procuraram a tropilha durante dias, mas nada encontraram. "Então o senhor foi ao formigueiro para ver o que restava do corpo do escravo." Quando chegava perto do local, avistou o menino, o cavalo baio e toda a trpilha, acompanhados da Virgem, Nossa Senhora. O estancieiro, então, caiu de joelhoes diante do Negrinho, que montou no cavalo baio e foi embora com os trinta tordilhos.

A história espalhou-se e todos acreditavam ter ocorrido um milagre. Dessa época até hoje, o Negrinho ajuda a encontrar objetos perdidos. Para coneguir sua ajuda, basta acenter "um coto de vela, cuja luz ele leva para o altar da Virgem Senhora Nossa, madrinha dos que não a têm."

A simplicidade da narrativa popular, presente em todas as rodas de chimarrão, e o sentido religioso abordado pelo autor, são os principais ingredientes dessa história. Ao dar "a palavra a um interlocutor ideal de roda galponeira que, entre um mate e outro mate, retoma o fio da prosa, para contar mais um causo", como afirma Augusto Meyer, o autor, na obra "Lendas do Sul" relata uma uma criação anônima, que surgiu exatamente no âmbito popular, sem deturpar sua magia.


O texto você encontra em http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/3contos/negrinho.html


Mais informações sobre a lenda e o autor em http://pt.wikipedia.org/wiki/Negrinho_do_Pastoreio .














quarta-feira, 10 de outubro de 2007

A Senha, Moacyr Scliar


Mais um pedaço do pra encorpar essa refeição, o conto “ A Senha” tem como autor o escritor gaúcho Moacyr Scliar, e faz parte do livro “Os jogos do poder e Fortuna”. Nele existem dois personagens, o cabo como personagem principal e o soldado, o ponto de conflito que determina a quebra da normalidade da obra, é o fato do cabo não se lembrar da senha, de acordo com a ordem que foi dada pelo tenente, niguém poderia entrar no acampamento sem pronunciá-la, e essa foi transmitida aos soladados pelo próprio cabo, para a análise levaremos em conta, o tipo de narração apresentada, o tempo da obra, e as caracteristicas dos personagens em questão.

Com um narrador em terceira pessoa e onisciente, a história se desenrola do ponto de vista do cabo, ” Detém-se aborrecido (não se agüenta em pé, quer deitar-se de uma vez),...” desde a chegada do persongem ao acampamento, as possíveis senhas, lembranças de sua família até o desfecho da história. Enquanto o personagem tenta se lembrar das palavras que o fariam “logo estar na cama...” a história inclina-se muito mais para o lado psicológico da questão, com muita pouca coisa acontecendo “fora da cabeça” do personagem, (apenas alguns passos e perguntas com respostas monossilábicas, do soldado), ele se detém a falar mais sobre a busca que o personagem faz por sua memória, a fim de encontrar a resposta para a pergunta insistente do soldado, também nota-se a agonia do personagem.


O tempo, no conto é principalmente psicológico, tem-se a sensação de que toda a ação se passa em poucos minutos, porém as lembraças e devaneios do personagem principal, dão mais profundidade à narrativa, grande parte do conto ocorre no “impreciso molde” da cabeça do cabo, que por não se lembrar da senha, procura em seu pensamento algo que lhe de as palvras certas, quando a memória lhe falha, ele apela para seus “bolsos”, onde poderia encontrar uma dica para tais palavras, la ele encontra coisas que o remetem a sua vida civil documentos, dinheiro, uma nota fiscal com uma lista de compras, num jogo de palavras o autor faz com que a tenção aumente cada vez mais, as ações dos personagens mudam de acordo com esse tempo.


O eu lírico cria uma espécie de jogo entre o velho (cabo) e o novo (soldado), explorando as duas realidades, que se encontraram naquele momento, o soldado com sua noção de dever, ainda que deturparda, apenas cumpre suas ordens, sem se exaltar ou demonstrar ironia com a situação, permanece firme, já o cabo, “que passara a noite bebendo” ao perceber que se lembrar da senha não seria tão fácil, tenta persuadir o subordinado, passa por picos de emoção, a camaradagem “cabe ao irmão mais velho ser tolerante e compreensivo...” da lugar a momentos de raiva, por fim o desfecho trágico “- e aí o estrondo, ele cai-”.


Como o título do livro sugere o jogo do poder, nesse conto em especial, segue uma lógica em que as diferenças de patentes, não impediram que um subordinado, ao possuir mais conhecimento que seu superior, pude-se usar esse poder, o cabo após levar o tiro certeiro, concluindo o trabalho a diferença entre tais situações, é muito bem trabalhada por Moacyr Scliar, mostrando a frieza do soldado por matar um pai de familia, pelo próprio vício, pela sua falta de memória, todos os pensamentos que lhe vieram foram inúteis diante da situação.



Um ingrediente que parece amargo, mas da um sabor a mais, onde a repetição de ordens e a necessidade de ter a melhor informação, nos torna menos humanos.

Para saber mais sobre o escritor...

http://www.releituras.com/mscliar_bio.asp


terça-feira, 9 de outubro de 2007

A la pucha, tchê!


Luis Fernando Veríssimo acaba de completar 71 anos no último dia 26. Jornalista porto alegrense, filho de Érico Veríssimo e pai de três filhos, tem uma vasta bibliografia que dá gosto de estudar. O colunista da Zero Hora, já trabalhou de tradutor a “editor de frescuras" e nunca se separou do seu saxofone.

Sua obra hoje posta em discussão é “O Analista de Bagé” que pelas palavras do autor “ele não poderia vir de outro lugar”, e segundo o próprio analista “Mais ortodoxo que reclame de xarope”. O regionalismo e o humor são as características mais marcantes da obra e a naturalidade que passa em seus textos nos faz novamente se duvidar de sua já comprovada timidez.

As gargalhadas são garantidas, mas se você tem algum causo difícil e que não parece ter solução ou esta precisando de alguns bons conselhos a leitura se torna leitura obrigatória. Pois aonde mais vão lhe dizer algo parecido com “Mas tu também é um bagual. Tu não sabe que em mulher e cavalo novo não se mete a espora?” ou “Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê!”.

Para quem quiser conferir alguns dos causos do analista www.releituras.com/lfverissimo_analista.asp. Até a próxima semana.


"Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda." (O Gigolô das palavras) Érico Veríssimo.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Para além do Doce de Leite!

O Juramento dos Trinta e Três Orientais, óleo de Juan Manuel Blanes.


"El novelista (romancista) consigue, con mayor facilidad que el historiador, resucitar una época, dar seducción a un relato. La historia recoge prolijamente el dato, analiza fríamente los acontecimientos, hunde el escalpelo a un cadáver, y busca el secreto de la vida que fue. La novela asimila el trabajo paciente del historiador, y con un soplo de inspiración reanima el pasado, a la manera como un Dios, con un soplo de su aliento, hizo al hombre con un puñado de polvo del Paraíso y un poco de agua del arroyuelo".

EDUARDO ACEVEDO DÍAZ
Carta sobre la novela histórica publicada en
"El Nacional", Montevideo, setiembre 29, 1891



Quem já foi alguma vez ao Uruguai com certeza já se deliciou com os famosos alfajores e doces de leite de lá. Provavelmente também já bebeu as excelentes cervejas que lá são fabricadas, naquelas garrafas de 1L que aqui no Brasil nos fazem falta. Os frios então, nem se fala. Não é à toa que quando voltamos de viagem trazemos conosco caixas e potes de guloseimas à reveria (e também alguns quilos a mais).

É óbvio que essas iguarias - advindas da outrora chamada Banda Oriental - com certeza podem acompanhar a nossa refeição. Entretanto, eu gostaria de incrementar o nosso sopão com um ingrediente que muitas vezes passa despercebido pelos nossos turistas, a saber: a literatura uruguaia.

Até onde eu sei, poucos escritores uruguaios são lidos por estes pagos. Minha sugestão para começarmos a adentrar nesse universo é o escritor, jornalista, político, diplomata e revolucionário (ufa, parece que terminou), Eduardo Acevedo Díaz. Suas obras - predominantemente romances históricos, dentre os quais destacam-se "Ismael" (1888), "Nativa" (1890), "Grito de Gloria" (1893) e "Lanza y Sable" (1914) - apresentam um fervor patriótico que nos permite ter idéia do espírito das massas que conquistaram a liberdade da Banda Oriental. Como diz o escritor e tradutor rio-grandense Aldyr Garcia Schlee, na contra capa da seleção de textos Pátria Uruguaia - Antologia, "Temos aqui traduzida, cerca de cem anos depois, a voz do outro lado, levantando-se altaneira do lado de cá, para que saibamos como brasileiros o que sabem os uruguaios de sua Pátria e de sua literatura".
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O óleo do início deste texto ajuda a ilustrar um trecho do romance Grito de Gloria (1893), onde os "Trinta y Tres Orientales" preparavam-se para insurgir contra o domínio brasileiro da Banda Oriental, em meados da década de 20 do século XIX, culminando posteriormente na Batalla de Sarandí, onde os insurgentes orientais, comandados pelo general Juan Antonio Lavajella, derrotaram as tropas imperiais comandadas por Bento Manuel Ribeiro (este nome não lhes é familiar?).
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Esse texto de Eduardo Acevedo Díaz é repleto de apelos patrióticos. Ao lê-los, percebem-se pelo menos duas coisas: 1) el gaucho proveniente do Uruguai assemelha-se, em muito, ao que sabemos sobre o gaúcho rio-grandense, o que nos leva a crer que o gaúcho brasileiro tem a mesma raiz do gaucho uruguaio e argentino; como bem já diziam escritores como Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda e Eduardo Galeano; 2) o ideário que aprendemos ao estudar história no ensino médio, e que parece ser exclusivo dos idealizadores da revolução farroupilha, há muito tempo já "rondava" a região platina. O "espírito livre e guerreiro do gaúcho" aparece antes nas lutas contra o domínio espanhol e português, nas guerras de independência das Províncias Unidas do Rio da Prata, na Liga dos Povos Livres idealizada por José Gervarsio Artigas, e por último, nas guerras de independência da banda oriental.
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Tenían el peligro detrás, al frente, más allá, por todas partes los amagos del desastre. ¿Qué importaba? La resolución estaba hecha, el sacrificio ofrecido en aras de una pasión ferviente y quedaba el consuelo de morir, el postrer recurso de los fuertes cuando nadie los comprende ni los ampara en sus decisiones supremas. (trecho de Grito de Gloria, capítulo IV)

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Um ex-professor dizia que nos tornamos mais temperantes ao conhecer a versão do outro. Para mim, é por isso que devemos conhecer a história e cultura de outros países, principalmente de nossos vizinhos. Através de Eduardo Acevedo Díaz, podemos perceber que nós - brasileiros, uruguaios, argentinos; enfim, sul-americanos - compartilhamos de um mesmo passado, que de certa forma foi o palco onde nossa identidade forjou-se a ferro e fogo, bem como a gritos de liberdade.

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Link para o texto "Gritos de Glória": http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/12826289770171510754846/index.htm

Os Trinta e Três Orientais: http://es.wikipedia.org/wiki/Treinta_y_Tres_Orientales

Link com biografia do autor: http://es.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Acevedo_D%C3%ADaz

Guerra del Brasil ou Guerra da Cisplatina: http://es.wikipedia.org/wiki/Guerra_del_Brasil

Bento Manuel Ribeiro: http://www.paginadogaucho.com.br/pers/bmr.htm