sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O Dia em que Borges matou Martin Fierro

O escritor argentino Jorge Luis Borges foi degustado aqui no blog no dia 16 de outubro pelo nosso filósofo Jorge Robespierre. Eu me limitarei a comentar o livro Ficções, publicado pela primeira vez em 1944. Composto de diversos contos, a obra traz muitos elementos recorrentes na obra de “El Brujo”, como os labirintos, os espelhos e a questão do tempo.

Quando iniciamos a leitura do livro, a primeira impressão é de estranhamento com as narrativas fantásticas de Borges, porém, em pouco tempo, estamos absortos neste universo labiríntico de histórias que discutem, às vezes sutilmente, a questão do tempo. Ele nos é apresentado de forma metafórica e alegórica, muitas vezes simbolizado por caminhos ou pelos acasos.

Alguns contos tratam de livros imaginários, outros dos cenários do sul da América do Sul; este último aspecto torna a narrativa especialmente interessante para quem é do Rio Grande do Sul e provavelmente vai reconhecer e se identificar com muitas passagens. Outros contos têm a interessante característica de ser um conto dentro de um conto dentro de um conto: um narrador conta a história de alguém que está contando a história de alguém.

Os personagens borgianos são sempre complexos, como o autor Pierre Menard que dedicou sua vida à reescrever Dom Quixote, mas não outro Quixote e sim O Quixote. Outros que poderiam servir de exemplo são o mago de “As Ruínas Circulares” e o personagem principal de “Funes, o memorioso”, um conto que segundo o próprio autor “é uma vasta metáfora da insônia”.

Pensei em falar de algum conto em especial, mas não sei se isso seria possível. Os contos de Borges abrem tantos caminhos quanto os caminhos de seus contos. Qualquer comentário que eu fizesse seria uma ínfima parte da realidade que ele encerra. Um conto de Borges nunca é UM conto de Borges, é sempre infinitos contos dentro de um só, como dois espelhos postos frente a frente e que se refletem infinitamente.

É preciso ler Borges para entender o que escrevo aqui. A minha dica para os navegadores da Internet – esse grande hipertexto que é um labirinto e lembra a biblioteca do conto “A Biblioteca de Babel” – é conhecer devagarinho o autor portenho, saboreando cada conto diversas vezes. Ao final da leitura de um dos contos deste livro será possível entender o porquê do título deste post.

Para ler alguns contos de Borges é só clicar em algum destes links

A Loteria da Babilônia http://www.releituras.com/jlborges_loteria.asp

Biblioteca de Babel http://www.fcsh.unl.pt/borgesjorgeluis/textos_borgesjorgeluis/textos6.htm

Pierre Menard, Autor do Quixote http://www.fcsh.unl.pt/borgesjorgeluis/textos_borgesjorgeluis/textos7.htm

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A Aliança

O livro “As mentiras que os homens contam” é uma seleção de crônicas garimpadas de várias publicações do autor, é o primeiro livro da Série Ver!ssimo. E nós do “Sopão de Letras” trazemos mais um pouco do escritor gaúcho. Reunindo 41 histórias, algumas inéditas em livro. Depois de percorrer as 176 páginas, o leitor certamente vai se lembrar de algumas situações parecidas que ocorreram em sua vida. Então se junte a essa deliciosa galeria de mentirosos inventados por Veríssimo.
Uma das mentiras, ou seja, crônica do livro é “A Aliança” , conta a história de um homem que chegou, na idade na qual com certeza, não será o dono de um cassino. Nesse ponto só duas coisas podem acontecer com ele, ganhar na loteria, ou lhe furar o pneu, furou o pneu. O homem então, tira o macaco do carro, o levanta, troca o pneu, e quando já estava fechando o porta malas caba perdendo a aliança no bueiro.
Nesse momento, ele começa a pensar em um possível diálogo com a esposa, onde contaria a versão de sua historia, assim como ela aconteceu, a saída do trabalho, o carro, o pneu, a aliança e o bueiro. Ma s tal dialogo imaginário, tem um desfecho trágico sua mulher não acredita em suas palavras, acusa-o de ter tirado a aliança para fazer um programa e sai de casa com as crianças.
Ao chegar em seu lar, resolve contar para a esposa a mentira, que na verdade ele perdera a aliança, quando fez um programa, a mulher faz uma cara de choro, vai ao quarto, fica lá por dez minutos, e volta dizendo que isso apontava uma crise no casamento, e que com bom senso acabariam resolvendo. A crônica termina assim :
-O mais importante é que você não mentiu para mim.
E foi para o jantar.
Aqui está uma adaptação da crônica, muito boa...

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Ratos...

Dyonélio Machado é autor do livro a ser estudado hoje. Nascido em 21 de agosto de 1895 na nossa queridíssima Quaraí terra natal do nosso grande colega de sopa Jorge Robespierre. Conhecidíssimo pelo romance “Os Ratos” que ganhou o prêmio Machado de Assis em 1933.

Dyonélio não teve uma vida fácil, perdeu seu pai muito cedo e por isso aos oito anos teve de começar a trabalhar para ajudar a mãe e o irmão mais novo. Mas nada o impediu de se tornar jornalista, escritor e médico especializado em psiquiatria. Militante comunista foi preso duas vezes, o que não o impediu de ser eleito pelo PCB deputado estadual e se tornar chefe da bancada do seu partido na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.

O romance “Os Ratos” contam um dia da vida de Naziazeno. O endividado funcionário público passa o dia tentando ganhar dinheiro para pagar seus credores. A angustia tanto do protagonista quanto à do leitor aumenta conforme Naziazeno consegue quitar uma divida e fazer outra.

Naziazeno sofre tanto que é tomado pelo desespero. Sente cansaço, fome, tenta ganhar algum dinheiro no jogo do bicho, aposta também em corrida de cavalos, pede dinheiro emprestado até com agiotas e entre outras coisas, não pode deixar de comprar o leite pro filho que a mulher faz tanta questão.

Enfim, um livro de vocabulário simples, direto e de rápida leitura que em suas poucas páginas consegue relatar uma infinidade de situações enfrentadas por muitos brasileiros.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Ode aos Desgarrados

A estrada da vida pode ser longa e áspera. Faça-a mais suave, caminhando e cantando com as mãos cheias de sementes.
(Cora Coralina)



O poeta Galdino Barreto nasceu em Quaraí, RS, em 1976. Começou na poesia divulgando versos de sua autoria em um dos jornais da cidade, publicando posteriormente os livros Um Poeta e Seus Messenas (1998), O Quilombo Contemporâneo (2003), As Dores do Vento (2005), uma antologia de obras de poetas quaraienses chamada A Nova Antologia da Poesia Quaraiense (2006) e Breu, o lado escuro de um poema (2007). Amante das letras e possuidor de sensibilidade aguçada, Galdino Barreto está despontando como um dos futuros grandes nomes da poesia – não só quaraiense, mas também gaúcha.

A poesia de Galdino, como bem destaca a Mestre em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria, Idene Mariano Godois, no prefácio de Breu, o lado escuro de um poema, “escreve aquilo que gostaríamos de dizer, (...) acorda em nós um ser há muito tempo adormecido”. Isso porque sua poesia trabalha temas cotidianos. Obviamente que cotidiano não simboliza banal; ao contrário, cotidiano na poesia de Galdino Barreto denota aquilo que presenciamos, aquilo que nos toca de alguma forma, mas temos dificuldade ao verbalizar. O poeta expressa essas inquietações em forma de verso, com uma linguagem simples e não rebuscada.

Dentre os cinqüenta e seis poemas contidos no livro Breu, o lado escuro de um poema, selecionei Meta... de Sul.

A tristeza impera
Um vazio corrompe o sorriso amarelo
Um movimento morto provoca o riso em noite silenciosa
Já me acostumei com a tua falência
Com a tua face verde em dias de chuva
Quanta terra mal aproveitada...
Peleia Pai!
Chora mãe!

Vem progresso!
Vem depressa
Ainda cremos no amanhã
Acorda interior... Do interior do teu sono passado
Acorda... Um cego te chama
Um surdo te ama... Te escuta
Falta pão, saneamento, infra-estrutura
Lenços...
Creme anti-rugas

Que as esquinas reconheçam
Tua virtude prudente
Teu solo fértil...
Ter não é te ter por metade
O vento fuga em infinito farto...
Rodoviárias...

Irmãos em retirada...
Mas vamos mudar o futuro em breve
Mudar votando
Sem pecar em carne fraca
Nossos anjos convoco agora
Por muitos... Enfim... Nós queremos
Dignidade da boca
Uma voz que mesmo rouca
Fale...
Lute...
Grite por nós...


A inquietude pelo progresso é o tema central deste poema. É por isso que a poesia de Galdino Barreto ultrapassa as fronteiras de Quaraí. Os versos de Meta... do Sul operam como um espelho da realidade de muitos municípios gaúchos (quiçá também do resto do país), principalmente dos de interior, que têm seus filhos arrancados de si por não propiciarem condições de sustentabilidade e perspectiva de futuro. Essas localidades vêem seus jovens aventurando-se em outras cidades em busca de estudo ou trabalho. O pior de tudo é a tristeza de saber que provavelmente esses cidadãos desgarrados não mais voltarão.

Santa Maria, apesar de não ter tanto problema com o êxodo de cidadãos, também enfrenta o “dilema do progresso”. Cidade cultura? Grande cidade ou urbe interiorana com aspecto de metrópole? Não se ter fundamentos claros e distintos para analisar esses problemas é incomodativo. O poema de Galdino Barreto traz à tona essas questões:
“Quanta terra mal aproveitada... / Peleia Pai! / Chora mãe! / Vem progresso! / Vem depressa / Ainda cremos no amanhã” (2007, p. 37)

Por fim, diferentemente de outros escritores gaúchos que exaltam as glórias e façanhas de gaúchos de outrora, Galdino Barreto – no poema Meta... do Sul - segue, de certa forma, a linha de Cyro Martins, optando pelos “desvalidos do pampa” como personagens da sua poesia. O poema é uma espécie de Tropa Amarga (do também quaraiense Luiz Menezes) adaptada para os dilemas do novo milênio, destinada a nós, pequenos desgarrados em busca de um futuro melhor.


Ainda cremos no interior / Acorda interior... Do interior do teu sono passado / Acorda... Um cego te chama / Um surdo te ama... Te escuta (2007, p.37)