sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Ah, o amor...

O escritor portenho Adolfo Bioy Casares é mais conhecido no Brasil por sua amizade com o mitológico Jorge Luis Borges do que por sua literatura: uma injustiça! Bioy é um dos grandes escritores latinos e era admirado por Borges, com quem escreveu muitas obras “a quatro mãos” sob os pseudônimos de H. Bustus Domecq e B Suarez Lynch. El Brujo considerava o amigo um dos maiores ficcionistas da Argentina.

O autor nasceu e morreu em Buenos Aires (1914-1999) e desde cedo mostrou talento para escrita. Sua obra mais conhecida é o romance “A Invenção de Morel”, mas o autor não escondia sua paixão pelos contos, que considerava mais difíceis de fazer, pois exigiam do autor criatividade e concisão.

O livro de contos “Histórias de Amor” trata deste sentimento tão falado, mas pouco compreendido. Bioy nos mostra o amor em suas mais diversas formas, sempre com um narrador masculino, mas com personagens femininas marcantes. As personagens masculinas vivem as voltas com as mulheres e com as diferenças entre esses dois seres, porém - diferente do que ocorre em muitos livros - as mulheres são vistas como seres superiores, indecifráveis e que muitas vezes conduzem a situação. Mesmo mortas elas marcam presença na vida do narrador, como acontece no conto “Reverdecer”.

Com um tom realista e bem humorado, o autor mostra o amor nem sempre romântico, mas sempre mágico. Um sentimento que, mesmo por um curto espaço de tempo, faz a vida ficar bela e completa.

Para saber um pouco mais sobre a forma de escrever de Bioy e sobre sua relação com as mulheres, é só clicar no texto do Portal Literal
http://portalliteral.terra.com.br/Literal/calandra.nsf/0/D08777156515B16F0325735B003C4E67?OpenDocument&pub=T&proj=Literal&sec=Agenda

Para entender sua literatura realista, que fala dos conflitos cotidianos e saber mais sobre seu livro “Diário da Guerra aos Porcos”, vá até
http://www.cavalodeferro.com/index.php?action=review&reviews_id=193

E para saber alguma coisa sobre os contos do livro “Histórias Fantásticas” (uma coletânea de contos publicada na década de 70), procure em
http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2006/dezembro/09_10/cadernoatracoes/colunistas/erly.asp

Bioy era um amante das mulheres. Seus contos não julgam a forma de proceder de suas personagens femininas e demonstram a profunda admiração do autor por elas.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O Ouro de Tomás Vargas



A escritora chilena Isabel Allende, nascida em 1942, primeiramente trabalhou como jornalista, aos dezessete anos, e depois como escritora. Com o livro "Casa dos Espíritos", de 1982, tornou-se um dos principais nomes da narrativa contemporânea em língua espanhola. A obra, publicada em mais de vinte idiomas, projetou a autora no círculo literário mundial.


A partir do primeiro sucesso, o desafio era manter o lugar de destaque entre os grandes romancistas. O objetivo foi alcançado e a obra "De Amor e de Sombra" manteve-se à altura da primeira. "Eva Luna" foi o terceiro livro de Allende, adquirindo notoriedade pelo fato de muitos críticos atribuírem-lhe sentido autobiográfico.


No livro "Contos de Eva Luna", o leitor reencontra personagens das obras que o precederam. A estratégia contribui para manter "um foi narrativo narrativo da unidade nessas histórias de amor e violência". Através dessa obra de vinte e três contos, a autora "transforma este gênero numa arte maior".


O conto "O ouro de Tomás Vargas" traz a história de Tomás Vargas, "homem sem qualquer decência", que escondia o ouro ganho enquanto "mantinha os filhos esfomeados e a mulher em farrapos". Vargas orgulhava-se de ser o maior "brigão, bebedor e mulherengo" de Água Santa.


A única pessoa que Vargas respeitava era o turco Riad Halabi, dono do armazém, a quem recorriam os vizinhos quando suspeitavam que Tomás tinha exagerado na bebida. A mulher, Antonia, era constantemente espancada por Vargas. Somente o turco e a professora Inês intervinham a favor dela. Na verdade, Antonia resignava-se com a situação, chegando ao ponto de tolerar a presença de uma concubina em sua própria casa.


A concubina era Concha Díaz, "muito jovem, morena e de pequena estatura", que chegou a cidade dizendo estar grávida de Tomás Vargas. Ele, então, levou a jovem para sua casa.


A vida de Antonia ficou ainda mais difícil. Além de trabalhar fora, era obrigada a conviver com a concubina em um clima deveras distante do amigável. A chegada de Concha Díaz despertou nela um profundo desprezo pelo pelo marido.


Os meses passavam e a gravidez de Concha Díaz gerava crescentes complicações para a moça. Vargas, cansado das reclamações da jovem, somente voltava a casa para dormir. Antonia, compadecendo-se da moça, decidiu ajudá-la, juntamente com o turco. A relação entre elas passou a ser de mãe e filha.


Agora, Antonia e Concha Díaz passavam a reagir às ameaças de Vargas. A cumplicidade das duas acabou fazendo com que ele cedesse ao vício do jogo.


"Atacado pela comichão do dinheiro fácil", as apostas de Vargas tornavam-se cada vez maiores. Até que um dia apostou mil pesos com o tenente e perdeu. A única alternativa era desenterrar o ouro para pagar a sagrada dívida de jogo. Entretanto, quando chegou no local, descobriu que haviam roubado todo o ouro.


Alguns dias depois da aposta, encontraram Vargas morto, "aberto de cima a baixo, como uma rês". Antonia e Concha Díaz continuaram a viver juntas e pouco tempo depois do funeral reformaram o rancho, compraram roupas novas para toda a família e "instalaram uma cozinha a gás, onde começaram uma indústria de culinária para vender a domicílio".
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terça-feira, 23 de outubro de 2007

Capitães da areia

Em 1932, Jorge Amado publica “Cacau”, livro que se esgota em apenas um mês. Ainda no mesmo se torna editor chefe da Rio Magazine e se casa em Sergipe com Matilde Garcia Rosa. Em 1934 lança o livro “Suor”, em 1935 “Jubiabá” e em 1936 “Mar Morto” quando é preso pela primeira vez, acusado de ter participado da “Intentona Comunitas” mas logo sai da prisão. Em 1937 atua no filme “Itapuã” de Ruy Santos interpretando um pescador.

Jorge Amado então viaja pela América Latina e Estados Unidos e enquanto está no exterior, o livro “Capitães da areia” é publicado aqui no Brasil. Logo que retorna toma conhecimento do golpe de Getúlio Vargas e então foge para Manaus, mas logo é preso em Porto Alegre, de lá é levado para Brasília e então Salvador onde fica confinado por um curto tempo. Seus livros foram considerados subversivos são queimados por ordem da Sexta Região militar.

Em 1939 é editor chefe das revistas Dom Casmurro e Diretrizes, dois anos depois lança “ABC de Carlos Prestes” em Buenos Aires e quando volta ao Brasil é novamente preso e solto. Em 1944 publica “O Amor de Castro Alves” e “São Jorge de Ilhéus” e se divorcia. No próximo ano Jorge foi novamente preso e liberto por razões políticas, elege-se deputado federal e escreve “Terras do Sem Fim”.

No ano de 1946 lança os livros “Seara Vermelha” e “Homens e coisas do Partido Comunista”, após dois anos seu mandato de deputado federal é cassado, seus livros novamente considerados subversivos e então viaja para Paris e escreve “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá” para um de seus filhos.

Em 1950 é expulso da França por motivos políticos e se muda para Tchecoslováquia. Bom, aqui foram mais dezoito atribulados anos deste grande autor brasileiro conhecido e premiado pelo mundo inteiro. Para conhecer um pouco sobre sua a vida entre seus amigos leia a crônica de João Ubaldo Ribeiro em http://www.releituras.com/jorgeamado_bio.asp.

Finalmente vamos Saborear nosso prato especial de hoje. O livro Capitães de areia conta à história de meninos de rua de Salvador, primeiramente é apresentada às vidas dos integrantes do grupo separadamente. Pedro Bala é o líder; João Grande, o segundo no comando; Volta seca, afiliado de Lampião; Professor, que lia muito bem; Gato, que tinha fama de conquistador e Pirulito, religioso fervoroso são os meninos mais citados do grupo que tinha quase cem participantes.

Após quase ser estuprada pelos capitães de areia Dora acaba a participar do grupo e é com sua morte que os meninos deixam de viverem juntos e cada um segue seu caminho. Pedro Bala abandona o grupo e se torna um revolucionário comunista; João Grande se forma marinheiro; Volta Seca mata mais de sessenta soldados antes de ser condenado sendo cangaceiro; Professor vai morar no Rio de Janeiro onde faz grande sucesso como pintor; Gato abandona sua amante e viaja para ilhéus e pirulito se torna Frade.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

O Rapaz que não cantou de Galo.

Joaquim Maria Machado de Assis
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Ah, doces sentimentos que afloram no coração de um jovem de 17 anos! É nessa idade que muitos “projetos de varões” começam a descobrir algumas novidades. Os agouros do coração, os hormônios desenfreados que catalisam paixões profundas e desesperadoras, a ingenuidade fútil que os leva a parecerem bobos diante de outras pessoas, são algumas características dos garotos dessa idade... Claro que essas características perduram – modificadas talvez – em idades mais avançadas, mas o legal do alvorecer da vida é a sensação de novidade.
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É uma dessas sensações que experimentou o nosso “herói”, o jovem Nogueira, ao esperar, nos anos 1861 ou 1862, para ir à Missa do Galo que ocorreria na corte do Rio de Janeiro.

Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite. (...) ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição (O Sr.Meneses estava fora de casa. Interessante, não?)

De acordo com a descrição do nosso jovem Nogueira, a dona Conceição era descrita como “uma pessoa simpática”; mesmo assim, transmitia sempre um ar de passividade, como se não sofresse e nem fruísse muito. Agora imaginem a cena: o garoto de 17 anos, à noite, na espera da missa do galo, sentado à frente de uma mesa, sozinho, lendo à luz de lampião, na sala de um casarão no século XIX, quando aparece a dona da casa para conversar, envolta em um roupão, e o marido fora. Para o garoto isso era, no mínimo dos mínimos, estranho.

Sobre a cadeira (...) pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços (...) A vista não era nova para mim, posto também não fossem comum; naquele momento, porém a impressão que tive foi grande (...) A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro.

Não é difícil imaginar o que poderia estar passando na cabeça do pequeno Nogueira. Garoto de hoje ou do século XIX, ainda era garoto. O espanto aumentou quando Conceição decidiu sentar-se ao seu lado.

Em uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar (os olhos), não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado.

Lembrem os leitores que o conto A Missa do Galo foi escrito pelo estupidamente brilhante contista, dramaturgo, poeta e romancista Joaquim Maria Machado de Assis, no século XIX. Os contos Machadianos possuem uma característica interessante, que é o do fim inesperado. Durante o conto são “lançados” indícios que permitem ao leitor formular diferentes hipóteses. A certa altura pode-se pensar que dona Conceição não estivesse interessada no garoto, ou talvez sim, já que, de acordo com o que Nogueira diz, ela em alguns momentos sai do seu estado de indiferença habitual, mostrando interesse no diálogo (imaginem só o que deveria ser mostrar os braços para um garoto no século XIX!); além, é claro, de sentar-se ao lado dele, de fitar-lhe com olhos penetrantes (lembrem ainda que o marido, que possuía amante conhecida, não estava em casa).
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O único personagem previsível na história é Nogueira. Durante toda a Missa do Galo a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez entre ele e o padre. Obviamente que se esse conto fosse transposto para os dias atuais não seria bem na "missa" que dona Conceição seria lembrada pelo nosso varão, mas isso já seria outra história.


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Biografia de Machado de Assis: