segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Ode aos Desgarrados

A estrada da vida pode ser longa e áspera. Faça-a mais suave, caminhando e cantando com as mãos cheias de sementes.
(Cora Coralina)



O poeta Galdino Barreto nasceu em Quaraí, RS, em 1976. Começou na poesia divulgando versos de sua autoria em um dos jornais da cidade, publicando posteriormente os livros Um Poeta e Seus Messenas (1998), O Quilombo Contemporâneo (2003), As Dores do Vento (2005), uma antologia de obras de poetas quaraienses chamada A Nova Antologia da Poesia Quaraiense (2006) e Breu, o lado escuro de um poema (2007). Amante das letras e possuidor de sensibilidade aguçada, Galdino Barreto está despontando como um dos futuros grandes nomes da poesia – não só quaraiense, mas também gaúcha.

A poesia de Galdino, como bem destaca a Mestre em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria, Idene Mariano Godois, no prefácio de Breu, o lado escuro de um poema, “escreve aquilo que gostaríamos de dizer, (...) acorda em nós um ser há muito tempo adormecido”. Isso porque sua poesia trabalha temas cotidianos. Obviamente que cotidiano não simboliza banal; ao contrário, cotidiano na poesia de Galdino Barreto denota aquilo que presenciamos, aquilo que nos toca de alguma forma, mas temos dificuldade ao verbalizar. O poeta expressa essas inquietações em forma de verso, com uma linguagem simples e não rebuscada.

Dentre os cinqüenta e seis poemas contidos no livro Breu, o lado escuro de um poema, selecionei Meta... de Sul.

A tristeza impera
Um vazio corrompe o sorriso amarelo
Um movimento morto provoca o riso em noite silenciosa
Já me acostumei com a tua falência
Com a tua face verde em dias de chuva
Quanta terra mal aproveitada...
Peleia Pai!
Chora mãe!

Vem progresso!
Vem depressa
Ainda cremos no amanhã
Acorda interior... Do interior do teu sono passado
Acorda... Um cego te chama
Um surdo te ama... Te escuta
Falta pão, saneamento, infra-estrutura
Lenços...
Creme anti-rugas

Que as esquinas reconheçam
Tua virtude prudente
Teu solo fértil...
Ter não é te ter por metade
O vento fuga em infinito farto...
Rodoviárias...

Irmãos em retirada...
Mas vamos mudar o futuro em breve
Mudar votando
Sem pecar em carne fraca
Nossos anjos convoco agora
Por muitos... Enfim... Nós queremos
Dignidade da boca
Uma voz que mesmo rouca
Fale...
Lute...
Grite por nós...


A inquietude pelo progresso é o tema central deste poema. É por isso que a poesia de Galdino Barreto ultrapassa as fronteiras de Quaraí. Os versos de Meta... do Sul operam como um espelho da realidade de muitos municípios gaúchos (quiçá também do resto do país), principalmente dos de interior, que têm seus filhos arrancados de si por não propiciarem condições de sustentabilidade e perspectiva de futuro. Essas localidades vêem seus jovens aventurando-se em outras cidades em busca de estudo ou trabalho. O pior de tudo é a tristeza de saber que provavelmente esses cidadãos desgarrados não mais voltarão.

Santa Maria, apesar de não ter tanto problema com o êxodo de cidadãos, também enfrenta o “dilema do progresso”. Cidade cultura? Grande cidade ou urbe interiorana com aspecto de metrópole? Não se ter fundamentos claros e distintos para analisar esses problemas é incomodativo. O poema de Galdino Barreto traz à tona essas questões:
“Quanta terra mal aproveitada... / Peleia Pai! / Chora mãe! / Vem progresso! / Vem depressa / Ainda cremos no amanhã” (2007, p. 37)

Por fim, diferentemente de outros escritores gaúchos que exaltam as glórias e façanhas de gaúchos de outrora, Galdino Barreto – no poema Meta... do Sul - segue, de certa forma, a linha de Cyro Martins, optando pelos “desvalidos do pampa” como personagens da sua poesia. O poema é uma espécie de Tropa Amarga (do também quaraiense Luiz Menezes) adaptada para os dilemas do novo milênio, destinada a nós, pequenos desgarrados em busca de um futuro melhor.


Ainda cremos no interior / Acorda interior... Do interior do teu sono passado / Acorda... Um cego te chama / Um surdo te ama... Te escuta (2007, p.37)

5 comentários:

Galdino disse...

Sem palavras...

Anônimo disse...

Galdino, tu consegues traduzir exatamente o que a gurizada sentia quando discutíamos, nas tardes de inverno, naquela tua esquina.

Reko

Anônimo disse...

É bem o que ele disse, tua sensibilidade aguçada...talento quaraiense!Parabéns!!!
Fernanda Cadore

Anônimo disse...

A palavra em forma de exuberância....Luiz Mario Japur

Lelo disse...

este galdino é o cara, esta entre os 10 mais importantes galdinos da região, um privilegio poder trabalhar e aprender com este sujeito