segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O Gigante

Moeda de 2 Pesos Argentinos comemorativa ao centenário do nascimento de Jorge Luis Borges, do ano de 1999.


Sabem aquela sensação que dá quando lemos algum texto que nos toca profundamente? Em um primeiro momento não tanto pelo conteúdo da obra em si - esta dimensão do deleite vem depois - mas por sabermos que nesse texto há tantas informações valiosas que nós simplesmente não sabemos por onde começar! Pues Entonces, apresento-lhes o escritor argentino Jorge Luis Borges, considerado pela Enciclopédia Encarta (e por outras tantas enciclopédias e sites) como um dos mais importantes nomes da literatura latino-americana e universal. Te queda grande?


Enquanto escrevo este humilde (mas de coração) texto, tenho em mãos o livro Obras Completas de Jorge Luis Borges. É uma espécie de seleção de obras da última fase da vida do autor, são textos que foram escritos entre os anos de 1975 e 1985. Para vocês terem idéia do quanto devem ser interessantes todos os textos - confesso que li só uma obra por enquanto - o livro está um caco, apesar de a edição ser relativamente nova, de 1989. A capa é remendada, algumas páginas são coladas, há algumas poucas manchas de café e todas as páginas são amareladas (creio que não tanto pelo tempo, e sim pelo uso excessivo).


Abri o livro de 510 páginas e fui até o índice procurar alguma obra por onde começar. Vários títulos me interessaram, dentre os quais El Libro de Arena (1975), La Rosa Profunda (1975), La Moneda de Hierro (1976), Historia de la Noche (1977), Nueve Ensayos Dantescos (1982); enfim, mas o que mais me chamou a atenção de início foi a obra cujo nome é Siete Noches (1980). Posteriormente fui descobrir que essa é uma seleção de sete ensaios -primeiramente proferidos oralmente por Borges em diferentes conferências - onde o escritor fala de vários dos seus temas favoritos. Siete Noches possui os ensaios La Divina Comedia, La Pesadilla (o pesadelo), Las mil y una Noches, El Budismo, La Poesía, La Cábala (a cabala), La Ceguera.


Não criei personagens. Tudo o que escrevo é autobiográfico. Porém, não expresso minhas emoções diretamente, mas por meio de fábulas e símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem em minha emoção.
Jorge Luis Borges



Eu não posso resumir aqui todo o conteúdo dos sete ensaios por causa de, pelo menos, dois motivos: primeiro, se assim fosse, ao invés de ter vontade de ler Borges, você ia querer fechar este blog para nunca mais abrir, tamanho seria o enfado de ler tudo; segundo, para mim livro é como filme - não se conta o final, já que minha intenção é a de que vocês, leitores do blog, sintam o mesmo prazer que estou experimentando ao folhear estas amareladas páginas.



Entretanto, eu disse no início do post que a obra de Borges possui um vastíssimo conteúdo. E deveras tem! Eu assinalarei a seguir - baseando-se no Siete Noches - alguns nomes e áreas do conhecimento que o escritor cita nesses sete ensaios, bem como algumas passagens que para mim podem ser aplicadas perfeitamente na nossa vida comum, para vocês terem uma pequena noção da dimensão do que deve contemplar a obra Borgiana.


A análise que Borges faz de La Divina Comedia é gigante. A lembrança de trechos da Divina Comédia, de Dante Alighieri, vai sendo acompanhada de analogias com diversos autores, dentre os quais destaco John Milton (poeta inglês do século XVII), Cervantes, Paul Claudel (escritor francês dos séculos nascido no século XIX), Virgílio, Homero, Santo Agostinho, Sêneca, Nietzsche, Herman Melville (autor de Mob Dick), Gustav Spiller, Escoto Erígena, Stevenson, Groussac, Vítor Hugo, Aristóteles, Platão; enfim, até Cristo é citado. Notem que os nomes que compõe essa lista remetem a pelo menos quatro áreas do conhecimento humano: literatura, teologia, psicologia e filosofia. No final desse ensaio há uma passagem que me deixa arrepiado só de transcrevê-la, pois serve como uma dica para nós - simples leitores sem muita metodologia de leitura - de como devemos proceder com os livros. A passagem remete à obra de Dante Alighieri, entretanto, ela pode ser ampliada para qualquer livro que leiamos:



Quiero solamente insistir sobre el hecho de que nadie tiene derecho de privarse de esa felicidad, la Comedia, de leerla de modo ingenuo. Después vendrán los comentarios, el deseo de saber qué significa cada alusión mitológica, ver cómo Dante tomó un gran verso de Virgilio y acaso lo mejoró traduciéndolo. Al principio debemos leer el libro con fe de niño, abandonarnos a él: después nos acompañará hasta el fin. A mí me ha acompañado durante tantos años, y sé que apenas lo abra mañana econtraré cosas que no he encontrado hasta ahora.
(1989, p.220)


Não vou me estender, já que o post está ficando muito longo. Entretanto, saibam que é nesse processo - posterior à "leitura ingênua" - de querer saber e investigar o que significam diferentes coisas ditas por diversos autores que Jorge Luis Borges continua nos seus outros ensaios. Em todos eles, nota-se um componente autobiográfico, apesar de não ser explícito: yo he tenido - y tengo - muchas pesadillas. A la más terrible, la que me pareció más terrible, la usé para un soneto. (1989, p. 228)



Aquela sensação que descrevi no início do texto, sobre ficar fascinado com a quantidade de informações preciosas, é verdadeira... Mas vejam bem, quando digo que os ensaios "possuem uma grande carga de conteúdo", não quero afirmar com isso que o texto é chato. Não chega a ser daquele tipo de excesso fatigante, ao contrário, é do tipo de excesso desafiador, que nos arrepia a pele e nos impulsiona a tentarmos ser melhores. Tudo bem que em certos trechos eu me sinto como o longo verme gordo, presente na obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, que simplesmente rói, sem saber nada sobre os textos que rói. Entretanto, como Borges mesmo disse no trecho já citado acima: "nadie tiene derecho de privarse de esa felicidad, (..) de leer de modo ingenuo (...) Al principio debemos leer el libro con fe de niño, abandonarnos a él".


Não comecei a adentrar no universo borgiano pelas suas obras mais conhecidas, é verdade, mas não creio que isso tenha sido prejudicial. Ao contrário, quem fizer esse percurso, acho que poderá conhecer bem o autor antes de adentrar no vasto campo de suas principais obras. Uma coisa lhes digo: depois da fascinação que Siete Noches me causou, Borges com certeza passará a ser um dos principais temperos do nosso sopão.


Foto do escritor Jorge Luis Borges no Hotel des Beaux Arts, lugar onde morreu Oscar Wilde e o mesmo Borges quis morrer, tirada em 1969. Extraído de http://es.wikipedia.org/wiki/Jorge_Luis_Borges


24 /08/1899 Buenos Aires, Argentina.
14/07/1986, Genebra, Suíça.






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Bibliografia Utilizada: BORGES, Jorge Luis. Siete Noches. in: Obras Completas 1975-1985. Buenos Aires: Emecé Editores S.A., 1989, p. 207-276.

Biografias:
http://noticias.uol.com.br/licaodecasa/materias/ult1789u221.jhtm
http://es.wikipedia.org/wiki/Jorge_Luis_Borges (Aqui há a relação de todas as suas obras)
http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/amaivos07/noticia/noticia.asp?cod_noticia=7483&cod_canal=34

Mais informações sobre Siete Noches:
http://sololiteratura.com/bor/borsietenoches.htm

Alguns textos do autor, textos acadêmicos sobre o assunto, linha cronológica e outros materiais (bom site): http://www.fcsh.unl.pt/borgesjorgeluis/

2 comentários:

Karina disse...

Belo texto, sem revelar quase nada da história e mesmo assim falando muito sobre ela (s). O post ficou grande mesmo, mas de vez em quando é necessário. Não se pode privar as pessoas leitoras de nossos blogs de informações fundamentais para as conclusões de cada um deles.
Abraços, colega.

Anônimo disse...

Muito bom o texto!
Parabéns!