segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Para além do Doce de Leite!

O Juramento dos Trinta e Três Orientais, óleo de Juan Manuel Blanes.


"El novelista (romancista) consigue, con mayor facilidad que el historiador, resucitar una época, dar seducción a un relato. La historia recoge prolijamente el dato, analiza fríamente los acontecimientos, hunde el escalpelo a un cadáver, y busca el secreto de la vida que fue. La novela asimila el trabajo paciente del historiador, y con un soplo de inspiración reanima el pasado, a la manera como un Dios, con un soplo de su aliento, hizo al hombre con un puñado de polvo del Paraíso y un poco de agua del arroyuelo".

EDUARDO ACEVEDO DÍAZ
Carta sobre la novela histórica publicada en
"El Nacional", Montevideo, setiembre 29, 1891



Quem já foi alguma vez ao Uruguai com certeza já se deliciou com os famosos alfajores e doces de leite de lá. Provavelmente também já bebeu as excelentes cervejas que lá são fabricadas, naquelas garrafas de 1L que aqui no Brasil nos fazem falta. Os frios então, nem se fala. Não é à toa que quando voltamos de viagem trazemos conosco caixas e potes de guloseimas à reveria (e também alguns quilos a mais).

É óbvio que essas iguarias - advindas da outrora chamada Banda Oriental - com certeza podem acompanhar a nossa refeição. Entretanto, eu gostaria de incrementar o nosso sopão com um ingrediente que muitas vezes passa despercebido pelos nossos turistas, a saber: a literatura uruguaia.

Até onde eu sei, poucos escritores uruguaios são lidos por estes pagos. Minha sugestão para começarmos a adentrar nesse universo é o escritor, jornalista, político, diplomata e revolucionário (ufa, parece que terminou), Eduardo Acevedo Díaz. Suas obras - predominantemente romances históricos, dentre os quais destacam-se "Ismael" (1888), "Nativa" (1890), "Grito de Gloria" (1893) e "Lanza y Sable" (1914) - apresentam um fervor patriótico que nos permite ter idéia do espírito das massas que conquistaram a liberdade da Banda Oriental. Como diz o escritor e tradutor rio-grandense Aldyr Garcia Schlee, na contra capa da seleção de textos Pátria Uruguaia - Antologia, "Temos aqui traduzida, cerca de cem anos depois, a voz do outro lado, levantando-se altaneira do lado de cá, para que saibamos como brasileiros o que sabem os uruguaios de sua Pátria e de sua literatura".
.
O óleo do início deste texto ajuda a ilustrar um trecho do romance Grito de Gloria (1893), onde os "Trinta y Tres Orientales" preparavam-se para insurgir contra o domínio brasileiro da Banda Oriental, em meados da década de 20 do século XIX, culminando posteriormente na Batalla de Sarandí, onde os insurgentes orientais, comandados pelo general Juan Antonio Lavajella, derrotaram as tropas imperiais comandadas por Bento Manuel Ribeiro (este nome não lhes é familiar?).
.
Esse texto de Eduardo Acevedo Díaz é repleto de apelos patrióticos. Ao lê-los, percebem-se pelo menos duas coisas: 1) el gaucho proveniente do Uruguai assemelha-se, em muito, ao que sabemos sobre o gaúcho rio-grandense, o que nos leva a crer que o gaúcho brasileiro tem a mesma raiz do gaucho uruguaio e argentino; como bem já diziam escritores como Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda e Eduardo Galeano; 2) o ideário que aprendemos ao estudar história no ensino médio, e que parece ser exclusivo dos idealizadores da revolução farroupilha, há muito tempo já "rondava" a região platina. O "espírito livre e guerreiro do gaúcho" aparece antes nas lutas contra o domínio espanhol e português, nas guerras de independência das Províncias Unidas do Rio da Prata, na Liga dos Povos Livres idealizada por José Gervarsio Artigas, e por último, nas guerras de independência da banda oriental.
.

Tenían el peligro detrás, al frente, más allá, por todas partes los amagos del desastre. ¿Qué importaba? La resolución estaba hecha, el sacrificio ofrecido en aras de una pasión ferviente y quedaba el consuelo de morir, el postrer recurso de los fuertes cuando nadie los comprende ni los ampara en sus decisiones supremas. (trecho de Grito de Gloria, capítulo IV)

.

Um ex-professor dizia que nos tornamos mais temperantes ao conhecer a versão do outro. Para mim, é por isso que devemos conhecer a história e cultura de outros países, principalmente de nossos vizinhos. Através de Eduardo Acevedo Díaz, podemos perceber que nós - brasileiros, uruguaios, argentinos; enfim, sul-americanos - compartilhamos de um mesmo passado, que de certa forma foi o palco onde nossa identidade forjou-se a ferro e fogo, bem como a gritos de liberdade.

--------------------------------------------------------------------------------------

Link para o texto "Gritos de Glória": http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/12826289770171510754846/index.htm

Os Trinta e Três Orientais: http://es.wikipedia.org/wiki/Treinta_y_Tres_Orientales

Link com biografia do autor: http://es.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Acevedo_D%C3%ADaz

Guerra del Brasil ou Guerra da Cisplatina: http://es.wikipedia.org/wiki/Guerra_del_Brasil

Bento Manuel Ribeiro: http://www.paginadogaucho.com.br/pers/bmr.htm

2 comentários:

Anônimo disse...

Rober!!
Adorei o "Para além do doce de leite". Muito legal mesmo!!

Karina disse...

Ótimo texto, mas destaque pro formato! Ficou tri bonito!