sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

A Descoberta da Identidade

Hoje meu post é sobre o livro “A Descoberta da América (que ainda não houve)” do escritor Eduardo Galeano. Eu já comentei sobre o autor uruguaio em um post anterior (23 de Novembro), mas, como é o fim de um ciclo, resolvi escrever sobre um livro que trata desta parte do continente que foi o tema de nossas postagens: a América Latina. O continente latino-americano é tema recorrente deste autor e este livro discute, entre outras coisas, sobre o que representa o ofício de escritor no continente – seria este trabalho capaz de provocar verdadeiras mudanças?

Galeano discorre sobre dez erros ou mentiras sobre a cultura e a literatura latino-americana. Entre os exemplos de idéias criticadas está aquela que diz que a nossa literatura é barroca porque a nossa natureza é exuberante. O autor pensa, também, no problema do acesso aos livros – num continente onde nem todos têm o que comer, quantos têm acesso à literatura?

O escritor oriental mostra nosso continente de uma forma nua e crua e lembra o quanto dos problemas de hoje são herança do período de colonização européia. O modo de vida livre e sem propriedade dos habitantes pré-colombianos são reiteradamente citados pelo autor. Ele lembra, por exemplo, que a homossexualidade era uma prática aceita em boa parte do continente e que foi duramente reprimida pelos colonizadores. Hoje, a América Latina é um continente extremamente conservador e machista.

Não conhecemos nosso continente. Lemos autores de várias partes do mundo, mas torcemos o nariz para quem escreve aqui. Imitamos modos culturais europeus e norte-americanos (estadunidenses?) e massacramos a nossa cultura, identificando-a como bárbara e atrasada. Nossa terra tem grandes problemas, e Galeano não se furta de mencioná-los nesse e em seus outros livros. Ele, porém, mostra a beleza de ser que nós temos, e é isso que me agrada tanto nele. Não consigo imaginar outro autor para comentar neste post. A América Latina é um continente que precisa ser descoberto, principalmente pelos seus. Precisamos nos olhar sem procurar enxergar a imagem do colonizador, seja o europeu de antes ou o norte-americano de hoje. Ser um latino-americano não é ser um índio, um europeu ou um africano, mas não sabemos exatamente o que é. A América continua sendo o Novo Mundo, aquele que espera para ser grande; quando, ninguém sabe. Deixar de ser a eterna promessa de bem-aventurança e ser o futuro agora depende de nós, de gostarmos e lutarmos pelo que somos. Não sei se os textos desse blog ajudam de alguma forma nessa tarefa, mas espero, sinceramente, que sim.

Para ler alguns textos sobre a América Latina, clique em http://antonioluizcosta.sites.uol.com.br/Alatina.htm
Sobre a forma com o continente é representado no jornalismo brasileiro, veja o texto http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=557
E no link http://www.latinoamericano.jor.br/ é possível ver algumas reportagens sobre a América Latina.
"Somos o que fazemos, e sobretudo o que fazemos para mudar o que somos: nossa identidade reside na ação e na luta".
Eduardo Galeano

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

LATINA, América.

Atillo, Equador, 1982. Foto de Sebastião Salgado.


Durante minha última aula de Fotojornalismo, estava folheando as páginas do livro Outras Américas, do renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. Esse livro contém fotos que expressam a extrema pobreza de algumas regiões da América Latina. São fotos marcantes, que nos fazem repensar se de fato vivemos em um mundo de tantas oportunidades, como dizem por aí. Essas fotografias são, de certa forma, uma representação visual daquilo já sustentado por autores como, por exemplo, Eduardo Galeano, no seu As Veias Abertas da América Latina. Ao ler o texto de Eduardo Galeano, nos perguntamos: "mas será que não há exagero nisto?"; as fotos de Sebastião Salgado nos permitem negar essa hipótese.


Uma inquietação surgiu nesse momento: quantos outros escritores e intelectuais já refletiram sobre a América e suas mazelas? Quantos pseudo-intelectuais e demagogos se utilizam disso esporadicamente com fins fajutos? Quantos humildes agonizam diariamente por causa disso? Obviamente seria ingenuidade tentar delimitar um número, mas uma coisa é certa, há muitos personagens - independente da época - que se enquadram nessas três categorias, provavelmente ainda mais na terceira.
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Na Blogosfera encontrei os nostálgicos versos de Notas del Alma Indígena, do escritor peruano José Santos Chocano.

Notas del Alma Indígena**
¡Quién sabe!
Indio que asomas a la puerta
de esta tu rústica mansión: .
para mi sed no tienes agua?
para mi frío, cobertor?
¿parco maíz para mi hambre?
¿para mi sueño, mal rincón?
¿breve quietud para mi andanza?...
-¡Quién sabe, señor!
.
Indio que labras con fatiga
Tierras que de otros dueños son:
¿ignoras tú que deben tuyas
ser, por tu sangre y tu sudor?
¿ignoras tú que audaz codicia,
siglos atrás, te las quitó?
¿ignoras tú que eres el Amo?...
-¡Quién sabe, señor!
.
Indio de frente taciturna
y de pupilas sin fulgor:
¿qué pensamiento es el que escondes
en tu enigmática expresión?
¿qué es lo que buscas en tu vida?
¿qué es lo que imploras a tu Dios?
¿qué es lo que sueña tu silencio?
-¡Quién sabe, señor!
.
¡Oh raza antigua y misteriosa
de impenetrable corazón,
que sin gozar ves la alegría
y sin sufrir ves el dolor:
eres augusta como el Ande,
el grande Océano y el Sol.

Ese tu gesto que parece
como de vil resignación,
es de una sabia indiferencia
y de un orgullo sin rencor..
Corre en mis venas sangre tuya,
y, por tal sangre, si mi Dios
me interrogase qué prefiero
- cruz o laurel, espina o flor,
beso que apague mis suspiros
o hiel que colme mi canción
responderíale dudando:
-¡Quién sabe, señor!


O autor peruano nasceu em Lima, Peru. Foi grande defensor do americanismo, revolucionário ferrenho, protetor dos índios e opositor do imperialismo norte-americano. Foi preso várias vezes. Foi assassinado no Chile.
"fue un poeta peruano, conocido también con el seudónimo de El Cantor de América. En su poesía describe y representa a su país, el Perú. Es comúnmente conocido por la mayoría de peruanos y muchos escritores se refieren a él, abreviada y simplemente, como Chocano". (Extraído de José Santos Chocano)
José Santos Chocano
(1867-1935)


O autor do poema pertence a primeira classe, a dos intelectuais que refletem sobre as agonias da América; os personagens deste seu poema - os índios - à terceira. Os índios foram aqueles que, durante o processo de exploração das Américas, padeceram por causa da ganância dos portugueses e espanhóis (isso sem citar os colonizadores ingleses da América do Norte, que simplesmente dizimaram os nativos do continente*). O poema retrata o índio após o processo exploratório, fazendo referência ao semblante triste que compõe a feição do indígena latino-americano, e também às incertezas quanto ao seu futuro, da mesma forma que as fotos de Sebastião Salgado. Indio de frente taciturna /y de pupilas sin fulgor: / ¿qué pensamiento es el que escondes / en tu enigmática expresión? / ¿qué es lo que buscas en tu vida? / ¿qué es lo que imploras a tu Dios? / ¿qué es lo que sueña tu silencio? / -¡Quién sabe, señor!

Para comprovar as condições das pessoas que o poema de José Santos Chocano defende, não é necessário irmos muito longe, nem lermos autores com citações ameaçadoras como Eduardo Galeano ou ver fotos consagradas como as de Sebastião Salgado. Até aqui no calçadão de Santa Maria é fácil observarmos pessoas desgarradas com modos taciturnos, sem muitas expectativas em relação ao porvir.
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Para finalizar, eu gostaria de citar um dos elementos mais interessantes de se consumir literatura latino-americana: é uma forma de conhecermos a nossa gente, as nossas origens. Graças às misturas do nosso sopão, tem sido possível conhecer realidades aparentemente novas. "Aparentemente" porque percebemos que, no fundo, essas realidades "estranhas" são tão similares a nossa a ponto de afirmarmos que brasileiros, peruanos, argentinos, paraguaios, uruguaios, dominicanos, mexicanos e outros, compõem todos um só corpo e uma só alma.
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Observações: a foto de Sebastião Salgado foi retirada de seu site oficial.
*Para saber um pouco mais sobre a colonização norte-americana, e o massacre dos índios de lá, leiam Enterrem Meu Coração na Curva do Rio, de Dee Brown.
**O poema foi retirado do site PoesiaLatinoamericana, que consta na lista de sites sugeridos por este blog.