segunda-feira, 22 de outubro de 2007

O Rapaz que não cantou de Galo.

Joaquim Maria Machado de Assis
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Ah, doces sentimentos que afloram no coração de um jovem de 17 anos! É nessa idade que muitos “projetos de varões” começam a descobrir algumas novidades. Os agouros do coração, os hormônios desenfreados que catalisam paixões profundas e desesperadoras, a ingenuidade fútil que os leva a parecerem bobos diante de outras pessoas, são algumas características dos garotos dessa idade... Claro que essas características perduram – modificadas talvez – em idades mais avançadas, mas o legal do alvorecer da vida é a sensação de novidade.
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É uma dessas sensações que experimentou o nosso “herói”, o jovem Nogueira, ao esperar, nos anos 1861 ou 1862, para ir à Missa do Galo que ocorreria na corte do Rio de Janeiro.

Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite. (...) ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição (O Sr.Meneses estava fora de casa. Interessante, não?)

De acordo com a descrição do nosso jovem Nogueira, a dona Conceição era descrita como “uma pessoa simpática”; mesmo assim, transmitia sempre um ar de passividade, como se não sofresse e nem fruísse muito. Agora imaginem a cena: o garoto de 17 anos, à noite, na espera da missa do galo, sentado à frente de uma mesa, sozinho, lendo à luz de lampião, na sala de um casarão no século XIX, quando aparece a dona da casa para conversar, envolta em um roupão, e o marido fora. Para o garoto isso era, no mínimo dos mínimos, estranho.

Sobre a cadeira (...) pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços (...) A vista não era nova para mim, posto também não fossem comum; naquele momento, porém a impressão que tive foi grande (...) A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro.

Não é difícil imaginar o que poderia estar passando na cabeça do pequeno Nogueira. Garoto de hoje ou do século XIX, ainda era garoto. O espanto aumentou quando Conceição decidiu sentar-se ao seu lado.

Em uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar (os olhos), não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado.

Lembrem os leitores que o conto A Missa do Galo foi escrito pelo estupidamente brilhante contista, dramaturgo, poeta e romancista Joaquim Maria Machado de Assis, no século XIX. Os contos Machadianos possuem uma característica interessante, que é o do fim inesperado. Durante o conto são “lançados” indícios que permitem ao leitor formular diferentes hipóteses. A certa altura pode-se pensar que dona Conceição não estivesse interessada no garoto, ou talvez sim, já que, de acordo com o que Nogueira diz, ela em alguns momentos sai do seu estado de indiferença habitual, mostrando interesse no diálogo (imaginem só o que deveria ser mostrar os braços para um garoto no século XIX!); além, é claro, de sentar-se ao lado dele, de fitar-lhe com olhos penetrantes (lembrem ainda que o marido, que possuía amante conhecida, não estava em casa).
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O único personagem previsível na história é Nogueira. Durante toda a Missa do Galo a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez entre ele e o padre. Obviamente que se esse conto fosse transposto para os dias atuais não seria bem na "missa" que dona Conceição seria lembrada pelo nosso varão, mas isso já seria outra história.


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Biografia de Machado de Assis:

Um comentário:

Vanessa Beltrame disse...

HUEHEUHEUHEUHEUHEUHE
O título é o melhor!

Coitado!

;*